domingo, 25 de março de 2012

As 11 ideias de Serge Latouche

A Linha Geral: Do discurso e entrevista a Serge Latouche. O crescimento económico é um fim em si mesmo? Não será esta ideologia ilógica? Este obsoleto e perigoso pensamento, na sua aplicabilidade,  poderá ter como consequência a perda de "bela experiência", recheada de valores. O Homem não é o fim de uma linha evolucionista. Porém, de acordo com os paradigmas vigentes, corre o sério risco de o vir ser. Temos aqui apresentada uma nova e revolucionária visão acerca da organização dos "tempos". Que nos propõe, sucintamente, o pós-materialismo? Temos de largar fantasmas e fantasias, temos de desmistificar promessas que nos foram feitas.


Serge Latouche, tal como Paul Krugman, esteve em Portugal. Foi há bem pouco tempo (aproximadamente três semanas). A celeuma, infelizmente no meu entender, não foi tanta quanto aquando da vinda do nobelizado – normal, dirão uns, triste, direi eu.
Convidado pela Fundação Calouste Gulbenkian, Latouche deu ainda uma entrevista para o jornal Público, publicada a 19 de Março. Foi a partir desta entrevista que coligi estas onze ideias de Latouche nesse espaço arrogadas:  
1) A lógica do crescimento económico pelo crescimento económico adquiriu contornos religiosos. Os economistas assumiram, de forma dogmática, que a dinâmica das relações sociais deve orbitar em torno desse valor – o crescimento. Assim, o que Portugal precisa é de crescer; o que a Europa precisa é de crescer; os Chineses não podem crescer se os Europeus e os Americanos não crescerem também... e, infelizmente, assim vai o mundo. Justificam-se todas as ideologias e colaterais excessos, demagogias e patifarias, à conta desta crença económica;
2) Para que o dogma do crescimento económico se conserve torna-se imprescindível multiplicar necessidades, i. é, criar constantemente falsas necessidades, de modo a que tenhamos de trabalhar mais, de produzir mais, de nos cansarmos mais, de nos iludirmos mais, de endoidecermos e embrutecermos cada vez mais, enfim, de desperdiçarmos cada vez mais a experiência estética do estar-aí, do estar-no-mundo (a filosofia é, em parte, o convite para essa bela experiência);
3) Não pode haver crescimento ilimitado com recursos limitados - lições de lógica elementar que a filosofia no secundário já devia ter ensinado (alguém que não está a fazer o seu trabalho!);
4) “Se não mudarmos o sistema, caminharemos para o desaparecimento da humanidade”. Por sua vez, para mudarmos o sistema temos de alguma maneira transitar de um paradigma antropocêntrico para um paradigma biocêntrico; de uma ética especista para uma ética ecológica;  
5) A crise financeira é, antes de ser financeira, económica. A crise económica é, antes de ser económica, civilizacional. Foi o próprio modelo económico assente na promessa ou na pseudo-racionalidade do crescimento ilimitado que deu o poder que hoje detêm os detentores do capital financeiro (por oposição ao capital industrial); “a ilusão do crescimento [provocou] a bolha financeira”; o capital financeiro tão só se alimenta desta promessa da economia. Por sua vez, a crise económica é uma crise civilizacional onde o que vale é o ter, é a possessão, é o materialismo grosseiro;  
6) Tornou-se imprescindível, por todas as razões aqui aludidas, fazer uma revolução. Uma revolução cultural, de mentalidades; isto antes dos bombos, das espingardas e dos cravos. É preciso dar um passo em frente na história, forjar a tal sociedade pós-material (pós-desenvolvimento) onde o que importa é sustentar/garantir racionalmente um minimum material (traduzido em um minimum universal de alimentos, de habitação, de trabalho, de Internet...) de modo a que as pessoas, tendo garantido esse minimum material, possam se dedicar ao que realmente importa: a amizade, o amor, a arte, a liberdade, o diálogo, enfim, todos os valores que realmente importam e que realmente têm por efeito a criação da tal sociedade de bem-estar (que a economia tanto prometeu, ora, com a sua promessa de abundância indefinida, ora com a sua “mão invisível”, ora com a sua “luta de classes”…);
7) É preciso "descolonizar o nosso imaginário". A felicidade, a sociedade de bem-estar, não está no ter coisas, i. é, bens materiais. Temos que lidar positivamente com o facto de não sermos eternos e que a “mão invisível” do progresso humano/tecnológico não nos conduzirá a uma espécie de sociedade pós-humana, pós-histórica, onde satisfaremos todos os nossos desejos sem prejudicarmos os outros (tanto os outros humanos, como os outros não humanos, como todo o ecossistema – a “teia da vida”); 
8) A lógica do crescimento diz que é preciso indefinidamente crescer, nunca pararmos de crescer, isto porque, como é evidente, nunca paramos de consumir. Mas este raciocínio é obviamente falacioso porque tenta justificar o irracionalismo ligado ao dogma, ao aspeto religioso do crescimento pelo crescimento, contra uma verdadeira e desmistificada racionalidade onde trabalho e distribuição dos seus produtos têm como finalidade garantir um mínimo de bem-estar universal/global progressivamente sustentado e uma vida realmente digna;
9) "É preciso, antes demais, trabalhar menos". Temos de começar a pensar em como produzir tempo livre – este deve passar a ser o nosso grande objetivo económico. Como é evidente, para que possamos produzir tempo livre temos de ter, mais uma vez, garantido o tal minimum material dado pelo antecedente tempo de trabalho (mas, é precisamente esta inversão de valores, de objetivos, do tempo de trabalho para o tempo livre, que é verdadeiramente revolucionária);
10) Temos que mudar o paradigma, ter como valor económico não o crescimento pelo crescimento, mas sim, a "abundância frugal". A produção, o trabalho social, deve estar, como é de bom senso, subordinado às necessidades indispensáveis à sociedade mas não ao crescimento, à “produção infinita”; 
11) A sociedade precisa de se defender dos "ecofacismos" e/ou ecototalitarismos que podem despontar depois de, eventualmente (ou necessariamente), termos de sair da sociedade de consumo à força. Enfim, é preciso continuar a defender a democracia, a autonomia, a razoabilidade, a liberalidade, isto independentemente da revolução pelo qual tivermos de passar.   

David Santos.


quarta-feira, 21 de março de 2012

Da Primavera Filosófica (I)

A nossa inquietude acerca dos paradigmas vigentes desdobra-se em várias perguntas, e estas as colocamos em cima da mesa. Acreditamos na filosofia! Nas suas ferramentas, na ponte que estabelece entre saberes, bem como na visão ampliada e rigorosa que esta faculta. Este é o nosso contributo. Uma filosofia primaveril. Existem belas flores a desabrochar.


O Sexto Empírico.

domingo, 18 de março de 2012

Prémio UBI Jovem Filósofo

PRÉMIO UBI “JOVEM FILÓSOFO”
3ª Edição 

Até 30 de julho de 2012, estão abertas as candidaturas ao Prémio UBI "Jovem Filósofo", subordinado ao tema: "A importância da Filosofia em tempo de crise". Para alunos que frequentam o Ensino Secundário e tem como propósito reconhecer um trabalho de excelência sobre um tema ou problema filosófico considerado relevante.

O prémio para esta edição será constituído pela publicação do ensaio vencedor, pela apresentação do trabalho na aula da área científica correspondente à questão que vai a concurso, por um fim de semana para duas pessoas num estabelecimento da rede “Pousadas da Juventude” e pela atribuição de um Certificado. Está ainda prevista a atribuição de menções honrosas. 

Que homens são estes?

Que homens são estes que me rodeiam? Que homens são estes que habitam este vastíssimo amontoado de corpúsculos? Que homens são estes se não homens erróneos? Que homens são estes que não conseguem compreender aquilo que realmente está em causa? Que homens são estes? Que homens são estes? Talvez seja eu demasiado vagabundo e inconsciente, ou talvez esta inconsciência nem sequer exista. Talvez… Vero é que tenho ciente em mim de que algo não está bem. Vá-se lá saber o quê… Existe algo que me transcende, não consigo compreender o porquê das acções destes homens. Talvez o erróneo até seja eu, talvez… Ainda assim, continuo a tentar descobrir estes homens. Que homens são estes que se destroem mutuamente? Que homens são estes que não conseguem solução para um erro, sem simplesmente cometer outro erro? Que homens são estes, que com tanta inteligência estão a destruir a terra? Que homens são estes que não conseguem mudar? Que homens são estes que mais que homens me parecem burros? Que homens são estes? Que homens são estes que se auto-superiorizam perante os outros animais? Que homens são estes que pensam ser eles próprios o fim da linha da evolução? Se bem, que a continuar assim pode muito bem ser esta a maior das verdades. Para além de existir entre nós uma enorme crise de valores, uma sociedade completamente corrompida, existem ainda homens que se auto-superiorizam, que “pensam” ser o centro do planeta, que pensam dominar tudo, mas serão estes homens verdadeiramente inteligentes? Serão estes homens verdadeiramente bons? Penso, se ainda me for permitido pensar, que o homem é o seu próprio destruidor, será que estou errado? Se o estiver que me crucifiquem. Enquanto isso não acontece continuarei a tentar descobrir que homens são estes… E mais uma vez, encontro-me envolto de questões para as quais não consigo obter conclusões. No meio de tantas questões começo a desconfiar, será que no meu inconsciente eu sou como todos os outros?

O homem é o destruidor do homem…
Que homens são estes que afinal nem sabem aquilo que são?
Que homens são estes? Que homens são estes?
Serão homens?


João T. Santos

domingo, 11 de março de 2012

Estado de Direito e Estado de Excepção - O julgamento do representante político

Como evidente as "fontes" de legitimidade do representante político no Estado de Direito (EdD) e no Estado de Excepção (EdE) são perfeitamente distintas. No EdD a legitimidade do representante político provém da "estrutura constitucional e institucional" pré-definida e pública e da universalização (fundada na legitimidade democrática) das "regras do jogo" (o processo político com a sua divisão tripartida do poder em legislativo, executivo e judicial; a regra da maioria; o multi-partidarismo; a lógica do parlamento...). Já no EdE a legitimidade do representante político se funda, precisamente, no próprio carácter excepcional do "estado de coisas".
Assumidos estes pontos reflectiremos sobre a legalidade (ou não!) do julgamento do representante político (tanto no EdD como no EdE) quando as suas decisões antes de se averiguarem serem fundadas no interesse público, no bem comum etc., são decisões, quer no estado excepcional quer no estado regular, sempre legitimas - ainda que, as suas "fontes" de legitimidade difiram de maneira antagónica. A ressalva essencial a fazer é a de que no EdD há todo um aparato legislativo que torna possível (e legítimo) a condenação do representante político quando, repare-se, as suas decisões não estão fundadas naquilo que está garantido previamente pela "estrutura constitucional e institucional" e das universais e conhecidas "regras do jogo", quando, em suma, o representante político, no EdD, deixa de ser tido como tal e passa a ser julgado/encarado como um cidadão entre todos os outros (i. é, sem qualquer legitimidade política, sem a tal imunidade política) ainda que tenha sido precisamente na condição de representante político que tenha lesado o Estado de Direito. 
No EdE tal não sucede, tal separação entre o representante político e o não representante (o cidadão comum), porque, precisamente, a condição de representante político não está fundada em quaisquer "estruturas constitucionais e institucionais" ou universais e públicas "regras do jogo" que arbitram, limitam, o papel do representante do público. Assim, no EdE a norma é substituída pela arbitrariedade, sem que, atenção, a questão da legitimidade política seja por isso abalada ou posta em causa - as "fontes" de legitimidade são distintas num e noutro tipo de Estado mas não deixam, por isso mesmo, de ser "fontes". Assim, no EdE, pela suspensão da normatividade jurídica, o "ditador" é um representante político a tout court, onde não ocorre a distinção do sujeito enquanto representante político e enquanto homem comum: efeitos do estado de excepção. No EdE o representante político só pode ser levado a tribunal quando é restaurado todo o aparato jurídico que este suplantou, antes disso não há julgamento e o "ditador" está literalmente acima das leis. 
De qualquer maneira, feita a devida ressalva, se lemos com atenção, em outro dos aspectos em que EdD e EdE concordam é no facto de que, as decisões políticas - em si mesmas - são intrinsecamente, são sempre, transcendentes à legitimidade à qual recorrem (tanto no EdD como no EdE). Quer dizer, são imanentes porque a sua legitimidade emana ou da norma ou da excepção (dependendo da forma do Estado), mas, simultaneamente, e não em contradição, são transcendentes a esta emanação da legitimidade porque, na arena política, não está tudo decidido na forma de legitimidade, nem no prévio enquadramento normativo. Há um qualquer resíduo fundamental, um extra-norma, um extra-legislativo, que, por si só, justifica o sentido da política. De facto, esta é a condição do representante político - se quisermos, a sua justificação e fundamento. O facto de existir um representante político justifica tão só o sentido da nossa existência colectiva e relembra de maneira fundamental as incertezas relativamente ao nosso futuro, onde não está tudo decidido no aparato legislativo e as decisões do representante político (do executivo) têm a força do excepcional, da incerteza, do imprevisto, do transcendente. Nesse caso, o que faz a separação dos poderes, o procedimento político em si, o pluralismo ideológico e/ou partidário… é, tão só, limitar esse carácter excepcional que faz do representante político um cidadão excepcional, de modo a que este não subverta os princípios fundamentais relacionados com a democracia. 
Mesmo no EdD, salvaguardadas as diferenças aqui mesmo identificadas, subsiste um carácter excepcional (extra, transcendente) referente às decisões políticas que não permite que os seus representantes sejam julgados, ainda que, como dissemos, uma distinção seja possível de ser levada a cabo num EdD: a distinção entre o representante político propriamente dito (com o seu carácter excepcional) e o cidadão comum (igual como todos os outros perante as leis). Isto não significa que o representante político esteja acima das leis, como disse acima, há todo um aparato legislativo específico que o obriga a responder perante estas, mas, insisto, a justificação para a sua existência (do representante político) está precisamente naquilo que escapa ao aparato normativo do direito e que é da ordem da necessidade existencial de se fazerem escolhas fundamentais, escolhas estas inevitáveis e de efeitos sempre imprevistos. Significa isto, também, que o tão desejado "reino dos céus", o paraíso perdido, a história anti-histórica do pós-político ainda não chegaram. Felizmente! 
Conclui-se também, do que decorre, que não há legalidade, que é ilegítimo, o julgamento do ex-primeiro-ministro da Islândia. A retirada da imunidade política ao ex-primeiro-ministro Gerir Haarde e o seu consequente julgamento só é legal enquanto o que estiver em causa for o desrespeito das normas jurídicas já pré-estabelecidas. Assim, mesmo num EdD, Gerir Haarde não pode ser julgado enquanto representante político, mas apenas como o cidadão entre outros que, reitero, também é. Não pode ser julgado pelas escolhas que fez, pois estas, como referi, estavam legitimadas pelas “estruturas constitucionais e institucionais” e públicas e universais “regras de jogo” previamente conhecidas. O que pode ser julgado, por um lado, é o processo político como um todo; por outro, se Gerir Haarde utilizou o seu cargo para privilegiar interesses privados em detrimento do interesse público, etc.

David Santos.

GAUGUIN, Paul - Two Tahitian Women With Mango Blossoms



Um sintetismo da natureza alegórica. Não é erótica, esta representação do nativismo taitiano?



Ciclo de Conferências - Rethinking Biology and Evolution: New approaches for the new century. 

O Centro de Filosofia das Ciências da Universidade de Lisboa, através do seu grupo de investigação em Filosofia das Ciências da Vida, anuncia o ciclo de conferências acima descrito. Cada orador convidado fará uma conferência aberta ao público e um workshop sujeito a inscrição. A primeira conferência realiza-se no próximo dia 20 de Março, pelas 18h00, no grande auditório da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, e será proferida pelo virologista norte-americano Luis P. Villarreal (Center for Virus Research, University of California at Irvine, USA), intitulada “Can viruses make us human? Addiction and social cooperation as viral”. No dia 22 de Março, entre as 15h00 e as 18h00, realiza-se o workshop “Viruses and the Tree of Life: Unending source of self” 

-Informações adicionais e inscrições (para o Workshop) em http://cfcul.fc.ul.pt/biology2012.html


quinta-feira, 8 de março de 2012

No Fédon, a teoria da reminiscência demonstra a imortalidade da alma?

No Fédon, de Platão, o argumento da Teoria da Reminiscência, invocado por Sócrates, afirma a convicção de que pesquisar e aprender não são mais do que recordar, ou seja reencontrar um saber que já existe. A Teoria da Reminiscência argumenta que o conhecimento é definido como reconhecimento ou anamnese. Isto significa um esforço para recordar aquilo que a alma já sabia antes de habitar o corpo, visto que as almas eram dotadas de conhecimentos (74c). Esta argumentação serve como segunda prova da imortalidade da alma. Na convicção de que a alma existe antes do corpo, Sócrates procura demonstrar a existência da alma antes do nascimento. Esta convicção está completamente imbuída pela crença platónica de que os homens já teriam alcançado a sabedoria suprema quando contemplavam o Mundo das Ideias (74d). Desta forma a alma é considerada imortal e renasce várias vezes. Portanto, antes de qualquer existência corporal, contemplou todas as coisas e possuiu o conhecimento. Não será surpresa pois que neste mundo possa ter recordações desse saber, daí ser possível reencontrar integralmente o já conhecido. Contudo a evocação do conhecimento não pode fazer-se sem esforço nem tenacidade, tem necessidade de ser despertado e organizado. O saber consiste em segurar determinado conhecimento que se alcançou, e impedir que se perca (75d). Porquê este esforço e tenacidade para poder despontar o conhecimento do Mundo das Ideias? Se realmente na reminiscência é imprescindível haver conhecimento dos objectos, das coisas que se recordam facilmente, poderá pensar-se que não será necessário haver esforço, nem persistência, para recordar esses objectos, essas coisas. Sócrates justifica esta necessidade de esforço para evitar deixar escapar o que conhecemos, ou seja, cair no esquecimento. Contudo Sócrates afirma, com convicção, de que perdemos ao nascer, o que antes tínhamos adquirido. A recuperação do conhecimento perdido é feita através dos sentidos, através da aprendizagem. O tebano pretende com esta argumentação justificar que este não é um processo de aprendizagem, mas sim de reminiscência (75e). Na leitura do Fédon ficamos com a ideia de que Platão se acomodou a esta questão. Poderia ter ido mais longe, na indagação da definição do que é aprender. Não devia limitar-se a aceitar, sem mais razões, a justificação de que o aprender não é senão recordar o que se viu no Mundo das Ideias (76). Parece-me haver aqui alguma contradição, algo que não está devidamente explicado. Consegui encontrar na obra Os Mitos Platónicos, de Geneviève Droz, que para a alma que viu muito, será uma oportunidade para ter recordações inesquecíveis, ser-se levado para agradáveis lembranças intelectuais ou ser-se conduzido para realizações e impulsos ideais. Mas, pelos vistos, estes momentos privilegiados não são acessíveis a todos. Platão transmite-nos que no Mundo Inteligível ou das Ideias, apenas algumas almas viram, outras viram parcialmente e até mesmo outras, que ao regressarem a um corpo, se afundam num completo esquecimento. Com isto dá a entender que, para o maior número de almas, o conhecimento é nulo, ou apenas parcial, incompleto, defeituoso. Em qualquer dos casos verificamos haver desigualdade. Que explicação poderemos encontrar para esta situação? Os deuses, e os homens bons e justos, que se encontram no Mundo das Ideias, como Sócrates os designou, certamente não teriam esta atitude dualista para com as almas. Sendo assim, uma questão se levanta, em saber pois quem são aqueles que estiveram mais perto dos deuses e dos homens bons e sábios, quem esteve mais perto das realidades? Platão respondeu a esta questão, e apontou os filósofos como fazendo parte desse pequeno número que tiveram acesso ao Mundo das Ideias, ao conhecimento total (114c). Os filósofos foram os homens que viram melhor as verdadeiras realidades. Só as almas rectas e valorosas e, em particular, as que se dedicaram apaixonadamente à filosofia, têm algumas hipóteses de aceder a um saber que de qualquer outro modo só poderá ser parcial. Daqui se compreende o convite de Sócrates à reflexão interiorizada, ao encorajamento à tenacidade intelectual.
Platão, numa outra passagem do livro Fedro, fala no Mito da Parelha Alada para comparar a alma a um carro alado. Tudo o que era feito de bom dava forças às asas. Tudo o que fosse feito de mal, retiraria forças às mesmas. Se ao longo do tempo fizéssemos mais coisas erradas, as asas perderiam forças e cair-se-ia no Mundo Sensível. Penso que este mito não tem interesse para a Teoria da Reminiscência porque Sócrates tratou esta teoria, como doutrina, como um ponto demasiado sério. Contudo, mesmo assim, pode considerar-se como suficientemente forte a Teoria da Reminiscência para mobilizar a adesão interior, e a firme convicção íntima que chegou até aos nossos dias. A existência da alma antes do nascimento é um argumento de difícil compreensão nos moldes em que se procura a justificação. No diálogo do Fédon, o próprio Cebes afirma que cerca de metade do que se pretendia está provado, isto é, que as almas existem antes do nascimento; a outra metade que importa provar é que as almas existam depois da morte (77c).
Em relação à imortalidade da alma, o próprio Sócrates foi bem claro no seu pensamento ao dirigir-se a Símias dizendo que mesmo as premissas de que partiam, por muito convincentes que possam parecer, que não deixem de as examinar com maior rigor. Desde que sejam analisadas como deve ser, poderão então, acompanhar o argumento até onde for humanamente possível; se este se tornar por si mesmo claro, não há necessidade em irem mais além (107b).

CONCLUSÃO
Platão concluiu que a alma já existe antes de nascermos, mas não demonstrou a imortalidade da alma.

BIBLIOGRAFIA
Bibliografia Primária
Platão, Fédon, Lisboa Editora, 2003.
Bibliografia Secundária
Geneviève Droz, “A Reminiscência, Ménon 81a-81d” in OS MITOS PLATÓNICOS, ed. Publicações Europa - América, 1993.

José Baptista
Aluno do 1º ano de Filosofia na UBI

P. S. Escrevo este trabalho para demonstrar que a Filosofia é um curso interessante, motivador, e que incentiva os alunos na capacidade de pensar. Independentemente da idade. Para estudar filosofia somos sempre jovens.Ser aluno de Filosofia na UBI é um argumento de encorajamento. Daí o facto deste ano, na 1ª fase de candidatura para Maiores de 23 anos, já estarem inscritos 4 candidatos, o que penso ser inédito na nossa Universidade. Mais inédito ainda é o pormenor, importante, que não será por mero acaso, que o curso de Filosofia foi o curso com maior número de candidatos na 1ª fase de candidatura para Maiores de 23 anos.

quarta-feira, 7 de março de 2012

Odisseia do séc. XXI

Não quero descrever um modo de vida, ou até mesmo uma nova teoria. Apenas quero expor o meu caso muito particular de viver.
CARPE DIEM! É com certeza a palavra de ordem para uma vida feliz e concretizada. Apesar, claro, de muitas vezes ao termos chegado a um precipício, queiramos avançar, mesmo sabendo que não há mais terra para andar. Aí chegaremos ao nosso clímax, que consiste em abrir as asas e voar, e voar até chegarmos ao limite da nossa própria imaginação. O que não sabemos é se nos cortaram as asas ou se interferiram na nossa busca pela verdade/felicidade. De modo algum, poderemos deixar que tal aconteça, aí, seria queda livre no nosso pensamento e cairíamos até à ignorância de seguirmos crenças e soluções de outros.
Para que isto se equacione teremos de ter um espírito aberto à realidade circundante. Claramente que, quando falo em voar, estou a descrever o pensamento. Que outra forma terei eu de voar? Não sou pássaro, nem possuiu asas, logo não voo, fisicamente. Mas mentalmente posso estar em qualquer parte a qualquer hora, pois sou dotado disso. Se há algo a que o homem, não pode fugir é, sem dúvida, o seu pensamento. Muitos deixam-se levar pela loucura, outros atingem grandes feitos, e ainda há outros que apesar de pensarem e terem esta extraordinária capacidade, deixam-se levar por meras aparências/modas. Não seria melhor dispormos apenas e somente do nosso pensamento? Esta pergunta é completamente desnecessária, no meu ponto de vista, pois a razão pela qual somos e quem somos é derivado das nossas crenças e modos de vida. Podemos acreditar naquilo que queremos, sem nos importarmos com terceiros, ou até mesmo com segundos.
Que importa, na realidade, o que outros pensam? Seja por quererem saber mais da nossa vida do que nós próprios; seja por apenas troca de “conhecimentos”, nada disso é importante, somente deveremos querer atingir a verdade/ felicidade, que não é feita por mesquinhices e mentiras existentes a cada esquina.
No entanto, é necessário humilhar este egocentrismo existente no meu “eu”. Pois como está comprovado, existiram e existem grandes pensadores aos quais deveremos honrar e com eles libertarmo-nos de ilusões expostas pelos homens de Estado, de Igreja e do Capitalismo. Há uma batalha a travar, mas não sou eu que vou ganhá-la, somos todos nós, que em vez de avançarmos para voar, estamos a recuar e a chegar novamente à escravidão. Teremos sorte se isto não acontecer, mas sinceramente, acho que já esteve mais longe. Uma luta que apenas de nós obteremos as melhores armas. Mas que armas? (perguntam vocês) Falo-vos do pensamento claro e protector do ser.
Mesmo assim tenho dúvidas, se algum dia, estaremos todos nesta situação e se estaremos prontos para aceitar o desafio. Pois há quem seja cobarde e se deixe iludir por propaganda (políticas, religiosas…), não sendo capaz de se libertar das barreiras invisíveis e imperceptíveis, por muitas vezes.
Afinal, o que teremos a perder, se seguirmos o nosso pensamento?

Catarina Fernandes
Aluna do primeiro ano de filosofia da UBI

sexta-feira, 2 de março de 2012

Novo Elogio da Filosofia

Não, hoje não se trata de mudar o mundo, trata-se de dar mais um "salto" na história - isto sem quaisquer hegelianismos, marxismos ou outros ismos. Não, não se trata de mudar o mundo como apregoava Marx no esforço de subverter, ou realizar pragmaticamente, o idealismo hegeliano. Trata-se tão só (e não julguemos que é coisa pouca!), de compreender que o mundo mudou e nós apenas parcialmente mudamos com ele. Que continuamos a usar os mesmos esquemas racionais/mentais, a mesma ética que há um século - e quem diz um século, di-lo por comodidade estilística!
Em parte - e, mais uma vez, sem heideggerianismos - hoje ainda não pensamos. No sentido em que continuamos reclusos de uma série de discursos e esquemas lógicos, retóricas também, que não são convergentes com o sentido que a actualidade tomou. Por isso, também em parte, que as mobilizações de hoje, da juventude (no sentido não estreito da idade!), focando-me no Ocidente, são fragmentadas e, no fundo, não têm a apresentar nada de novo - é uma juventude com mentalidade gasta (com certeza, contra mim mesmo falo!) - é-lhes ausente uma maneira de pensar autênticamente contemporânea, uma maneira de pensar eticamente (i. é, tendo em conta todo um novo padrão de comportamentos, de relação com os outros e com o mundo), uma ética e uma racionalidade não segmentada, não marginal, não retirada de velhos discursos e velhas tiradas.
Não é a questão de "descobrir a pólvora" é sim a de reconhecer o nosso falhanço (contrariamente a um certo discurso de Mia Couto, não creio que foi a anterior geração que fracassou, nós é que fracassamos quando julgamos que não há mais a fazer, que é o fim da história), a nossa incapacidade de dar um sentido, de construir uma nova racionalidade - com esta, uma nova ética, uma nova cultura - que compreenda - no sentido de abarcar, abranger - as várias mudanças que foram sendo introduzidas neste século, mudanças estas que atravessaram as gerações deste e do passado século sem que nós, verdadeiramente, as dominássemos ou sequer as acompanhasse-mos.
É certo que não sei, com a lucidez imprescindível, que racionalidade é esta que nós, juventude, precisamos de forjar, pensar e descobrir – só creio, e por enquanto, é muito mais essa intuição - essa "pedra no sapato" - que um conjunto estruturado de argumentos, que é imprescindível a esta nova racionalidade. Creio também que a raiz profunda de mobilizações como a geração à rasca, os indignados, os occupy… e, igualmente, o seu falhanço e não radicalidade, tem por fundamento um ressentimento novo - um ressentimento contra a nossa incapacidade de nos construirmos com as oportunidades (sublinho: oportunidades!) que os nossos tempos nos legam com as suas novas estruturas (que foram por nós causadas e estabilizadas) e "proeminências".
Repare-se, hoje, o conceito de rede, que a internet fez transparecer (disse "fez transparecer" porque, na verdade, a "ontologia" da rede, é mesmo o fundamento da existência colectiva – o "contrato social") está em conflito permanente e, aparentemente, sem fim à vista, com a protecção da propriedade privada (os direitos do autor como efeito da dinâmica jurídica do capital); o público e irrestrito (livre) está em permanente conflito com o privado e restrito - e isso também nos têm vindo a dizer o Guilherme e o Luís. Hoje há uma ética animal - ou alicerçada na consciência da nossa condição de terráqueos (como já nos havia ensinado Darwin há dois séculos atrás)- que está para além (ou aquém!) da estreiteza e miopia política ajuizada, catalisada, nas estreitas e míopes lutas de classe. Hoje propagandeia-se uma consciência ou ética ecológica da qual não percebemos verdadeiramente o significado, ou, essa mesma consciência convive, sem grandes perturbações, com o imperativo, quase que irracional, de crescimento económico - i. é, da dinâmica insaciável e irreprimível da oferta e da procura assente na produção e reprodução de bens materiais. Hoje, o conceito de trabalho, não tem uma relação capital com o homem; como o Ângelo diz abaixo: a precariedade banaliza-se, torna-se uma inevitabilidade, faz parte mesma da condição do homem contemporâneo. Hoje, modelos de auto-gestão da colectividade, estimulados, concentrados, ademais das vezes nos centros urbanos, através de projectos locais como o Orçamento Participativo, como o exemplo da cidade de Toronto, desenvolvem-se em paralelo, muitas das vezes em conflito, com os fluxos, aparentemente incontroláveis e consequências da categorizada globalização. Hoje, e como assistimos presentemente na vizinha Espanha, o conceito de Universidade tornou-se, não subitamente, estranho, não se sabe se esta deve ser a auto-estrada para o emprego garantido ou o lugar onde a vocação tem real oportunidade sem estar restringida, condicionada, pelas oportunidades (a oferta) que o mercado de trabalho, hipoteticamente, oferece. Hoje a consciência histórica – particularmente a europeia – torna-nos um pouco mais prudentes, mas, simultaneamente paralisa-nos, como dizia o outro: “nos puxa pelo casaco quando o que queremos é andar para a frente”.
Concluiu afirmando que a solução está na filosofia, não numa filosofia impropriamente institucionalizada, secretariada, mas numa filosofia que procura ir para além destas contradições, não no sentido nietzschiano de as ultrapassar, de se projectar para além delas, mas, mais moderadamente, de as compreender, de saber que as mudanças aqui assinaladas (que embatem frontalmente com velhas estruturas, com velhas mentalidades, com velhas formas de pensar a economia, a política, a sociedade, enfim, a existência colectiva...) são uma oportunidade para integrarmos uma nova ética, para edificarmos a tal nova racionalidade. O retorno ao nacionalismo, que parece querer vingar na grande Rússia (isto consoante nos noticiam), não é uma questão de regressão civilizacional, é uma questão de inadaptação, de incoerência, de ignorância, da falta de uma racionalidade que se consolida a partir das condições materias e pós-materiais vigentes. Precisamos, enfim, de uma filosofia que dê fundamento teórico à nossa acção, que lhe forneça um sentido. A geração à rasca precisa de mais filosofia...
David Santos.

quinta-feira, 1 de março de 2012

Anonimato na Rede! Uma Utopia?





Na série televisiva norte americana Battlestar Galactica (EUA, 2004), a nave espacial Galactica foi a única a sobreviver ao massivo ataque dos cylons porque não estava ligada em rede a todas as outras estruturas espaciais e terrestres.
Odama, era um comandante em pré-reforma que abominava todo o tipo de tecnologias do género e falar-lhe de internet era o mesmo que nada. Simplesmente odiava o conceito.
A internet é a tecnologia que mais rápido evolui. Aliás, o conceito de internet estabilizou, o que muda ou evolui são os protocolos de navegação e de conteúdos. Todos os dias existem novos produtos, novas ferramentas e novos conceitos germinam dando origem a outros tantos. Se pensarmos que o carro foi inventado há mais de 100 anos e que ainda possui a mesma tecnologia (motor de explosão), então percebemos que quando falamos de internet teremos que falar do hoje, do agora sem nunca esquecer o amanhã, isto porque, na internet o passado pouco importa.
Olhar para uma sociedade tecnológica, onde se trabalha, se comunica e ao mesmo tempo se diverte em rede, é olhar para um nicho de mercado único e fácil de analisar. Assim, reunidas estas condições, nasce uma ideia interessante intitulada de Data Mining (Usama Fayyad).
Com o fluxo de informação e conhecimento existente na rede, este algoritmo (Data mining ou prospecção de dados) encontra e desenvolve padrões que ajudam ao desenvolvimento de novos produtos, novas tendências e novos mercados.
Ora, isto só é possível porque, tudo o que fazemos em rede é susceptível de análise. Isto é, toda a informação que pesquisamos, colocamos e retiramos da rede, pode ser analisada sem qualquer consentimento. Somos espiados logo que estejamos “on-line”, aliás, somos monitorizados. O conceito clássico de liberdade individual cai por terra, porque não temos alternativa em aceitar ou declinar qualquer informação que seja pessoal. Quando empresas de marketing ou de comunicação nos abordam na rua ou nos ligam para casa a perguntar qual a nossa intenção de voto ou qual o detergente que usamos, somos livres para dar essa informação ou não. O contrário acontece em rede. É claro que este é o preço por se ser livre em rede. Se podemos piratear os dados dos outros (filmes, livros etc), porque não havemos de ser vítimas de pirataria, aliás, monitorização? Estaremos perante algum novo dilema? Há preço para a liberdade do utilizador? Até os mais puritanos internautas, aqueles que não possuem nada que vá contra os direitos das produtoras, devem conhecer esta realidade. Mas nem tudo é mau. Existem softwares / aplicações que nos colocam a navegar sob anonimato e aí o problema fica resolvido.
Não se percebe se o Data Mining é legal ou ilegal. O que se sabe é que quem detiver os dados do utilizador tem o conhecimento e conhecimento é poder. O mais sinistro é o facto de este conhecimento não estar ao alcance do indivíduo, o que torna a monopolização de dados um perigo para as sociedades tecnológicas.
As empresas que nos servem, criam a tecnologia e nanotecnologia onde em muitos casos se torna suspeita, no entanto, as aplicações por eles criadas levantam murmúrios que afectam directamente a sociedade. Porém, eles só a criam, como é usada já não é preocupação deles.
O comandante Odama não era contra a tecnologia, mas conseguia ver para além dela. As sociedades têm esse importante papel, o reivindicar pela forma como a querem utilizar. E aqui a filosofia ganha um novo nicho de mercado. Estaremos preparados?
Guilherme. L. L. Castanheira