Luís Sttau Monteiro
nasceu em Lisboa em 1926, com 13 anos mudou-se para a capital inglesa, Londres,
onde o pai trabalhava como embaixador. Posteriormente, voltou outra vez para Portugal para
concretizar a licenciatura em Direito, pela Universidade de Lisboa, tendo
desempenhado as funções de advogado durante um curto período de tempo. Veio a
falecer em 1993.
Em 1960 edita o seu
primeiro livro, um romance, intitulado Um
Homem não Chora, no ano seguinte são lançadas mais duas obras: Angústia para o Jantar, que o projetou
para a ribalta da literatura portuguesa, e a peça teatral Felizmente Há Luar. A estas, juntam-se outras obras de referência: Todos os Anos pela Primavera (1963); O Barão (1964); Auto da Barca do Motor Fora de Borda (1966); A Guerra Santa (1967);
A Estátua (1967); As Mãos de Abraão Zacut (1968);
Sua Excelência (1971); E se For Rapariga Chama-se Custódia (1978);
Crónica Atribulada do Esperançoso Fagundes
(1980) e Chuva na Areia (1982).
Abordando a obra Felizmente Há Luar, esta peça de dois
atos só foi apresentada pela primeira vez no Teatro Nacional D. Maria em 1978. Denotando-se que a ação da peça
estabelece um paralelismo entre a época vivida até à Revolução de 1920 e
a época que abrange o período do Estado Novo, arquitetado por António de
Oliveira Salazar. E o mesmo se comprova com a personagem ausente, e na qual
gira toda a ação do drama, o General Gomes Freire D’Andrade (1757-1817) e
o General Humberto Delgado (1906-1965).
Sendo este paralelismo histórico uma estratégia comunicativa, utilizada com o
fim de transmitir a mensagem que aspira à liberdade e à emancipação do povo por
entre as redes apertadas da censura vivida até ao 25 de abril.
Como personagens temos:
Manuel (o mais esclarecido entre os populares pois reconhece a sua impotência
para mudar o poder que está instituído), Rita (a mulher de Manuel e a que
assiste à detenção do General Gomes Freire D’Andrade), o Antigo Soldado (que
serviu sob as ordens do General), Vicente (um membro do povo, mas que tem
vergonha do seu berço e, por isso, ambiciona um estatuto social mais elevado
tirando partido da denúncia e da lisonja para atingir essa ambição), Dois polícias
(que procuram aproveitar a glória alheia, neste caso do cargo que D. Miguel
oferece a Vicente), Vários populares (que constantemente estão presentes), D.
Miguel Forjaz (representante do poder político, governador do reino, com desejo
de manter o status quo e de caráter
prepotente), Beresford (governador do reino representando o poder militar,
sendo o tom de zombeteiro o mais dominante ao longo desta peça, especialmente
nos diálogos com Principal Sousa, homem prático, e com desprezo pelo país
devido à sua mediocridade), Principal Sousa (governador do reino figurando o
poder secular e um hipócrita), Morais Sarmento e Andrade Corvo (dois
denunciantes que procuram recompensa), Frei Diogo de Melo (um frade que não
ingressou no clero por riqueza nem por poder, ao contrário de alguns), António
de Sousa Falcão (amigo leal de Matilde de Melo e do General Gomes Freire
D’Andrade), Matilde de Melo (esposa do General Gomes Freire D’Andrade) e o
General Gomes Freire D’Andrade (embora seja uma personagem fisicamente ausente
da história ele constitui a temática omnipresente de toda a ação da peça).
A nossa história começa
com a personagem Manuel, que no seu monólogo denota a sua impotência perante diversos
acontecimentos que têm repercussão nacional, a ele junta-se um popular que lhe
responde, da maneira mais caricata, que Rita chegou por volta das 5 horas
segundo o seu relógio de ouro, gozando e realçando ainda mais a sua miséria na
qual o resto do povo vivia mergulhado. Normalmente, especialmente no primeiro
ato, a conversa entre os populares é acompanhada com o som de fundo dos
tambores, símbolo da repressão e do poder. No meio destes populares,
encontramos um antigo soldado do General Gomes Freire D’Andrade que o retrata
como se fosse a esperança do povo capaz de se bater com os reis do Rossio além
de ser um homem integro. Mas que é contrariado por Vicente que o aponta como
mais um general que apenas quer saber dos seus soldados enquanto estes ainda
lhe são úteis e, para terminar, que Gomes Freire era um estrangeirado.
Apesar da argumentação,
não interessa o que Vicente diga que os populares ainda continuam com esperança
no general, como o desabafa o próprio Vicente na conversa que tem com os dois
polícias, no caminho para se encontrar com Miguel Forjaz, e na qual expõe a sua vergonha que tem em pertencer
aos da sua classe social denunciando a vontade de ascender socialmente não
importando o quê; o primeiro polícia trata de lembrar a Vicente de que foram
eles os portadores da boa nova, com o intuito de beneficiar da promoção deste.
Quando Vicente é apresentado a D. Miguel que lhe fala com um tom de prepotência,
que é notório quando Vicente lhe revela o que o povo diz acerca de Gomes Freire
D’Andrade, ele retruca-lhe que aquilo que o povo diz não tem qualquer valor.
Este quadro sai realçado quando Principal Sousa surge pela primeira vez, pelo
seu trajar demonstra uma Igreja que não está interessada em defender os
princípios da virtude que prega, mas antes, em manter o seu estatuto e poderio,
acabando por apresentar a seguinte tese: que a voz de Deus é a voz do rei e não
a voz do povo. Ora para a manutenção deste sistema de governo, recorre-se ao
incentivo da denúncia como se contempla, no primeiro ato, no diálogo entre
Vicente e D. Miguel, em que este promete um cargo como chefe da polícia ao
primeiro. Outra personagem importante neste jogo de interesses é Beresford, que
no trio do governo representa o poder militar e, também, a visão de um estrangeiro
sobre Portugal, que predispondo-se a colaborar com D. Miguel e Principal Sousa
desde que estes sirvam os seus interesses, nomeadamente monetários, para
compensar o tempo que perdeu num país que despreza. E que se desvela no momento
em que observa a paisagem portuguesa, de árvores entisicadas e prados secos, em
comparação com a paisagem verdejante da sua terra natal, chega mesmo a ironizar
afirmando que as árvores entisicadas parecem terem sido plantadas pelo
Principal Sousa. Crítica o raquitismo intelectual, centrado sobretudo em
teologia, a própria incultura do povo e o exército pindérico.
É neste jogo de
conveniências e num momento em que se suspeita que se está a organizar uma conjura
contra os senhores do Rossio, que este trio começa a magicar em alguém que seja
proveitoso para executar como chefe da rebelião, e é neste contexto que a
personagem ausente na nossa história e que está cativa em S. Julião da Barra se
apresenta como alvo. Sendo a justificação para a sua condenação, como o diz D.
Miguel, se não é por eles é contra eles, numa alusão clara à atitude do regime
salazarista, ou, como mais tarde viria afirmar o marechal Beresford diante de
Matilde: que a existência de certos homens já é um crime.
Ora é no segundo ato
que surge, pela primeira vez, Matilde de Melo em conjunto com António Falcão
que tudo fazem para tentar libertar Gomes Freire, mas sempre em vão. Tanto dirigindo-se
aos reis do Rossio como aos elementos do povo; em que Manuel, no segundo ato, lhe
desabafa a sua vulnerabilidade perante os diversos acontecimentos, o quanto as
classes mais favorecidas procuram tirar proveito da classe mais indigente, não
lhe dando nada em troca. Já conformada com o destino que está reservado ao seu
companheiro, Matilde juntamente com Sousa Falcão vão assistir à execução de
Freire D’Andrade, durante o evento Matilde usa um vestido verde simbolizando a
esperança de que algo iria mudar e que sai reforçado pela sua última expressão
na obra e que constitui justamente o seu título, e no momento em que a chama da
execução começa a atingir o seu apogeu em S. Julião da Barra, Matilde começa a
imaginar-se ao lado do seu marido a ajuda-lo a vestir a farda.
Terminando com as
nossas habituais questões: será que ainda hoje, considerando que vivemos numa
democracia, vivemos num sistema que ainda é repressivo pois exclui aqueles que
pensam e agem de forma diferente daquilo que está estabelecido ou que controla
a informação que vem a público? Será que, um pouco à semelhança do texto, o poder
ainda é muito centralizado? E, ainda à semelhança da obra, favorece a
desigualdade e a exclusão social? Será que o povo não tem intervenção direta na
maior parte das decisões, especialmente as mais importantes, que presidem no
nosso país? E, finalmente, será que somos todos como a personagem tipo Manuel?
ANEXO
I
Estamos a referir-nos
ao período que abrange as invasões francesas (1807-1811) e do governo
provisório que se instalou nessa altura até à Revolução de 1820. Nos dias que se
sucederam à primeira invasão francesa (1807), liderada por Junot, as pilhagens
praticadas pelos soldados franceses e espanhóis eram usuais; sendo o exército
português transformado numa «Legião Lusitana» ao serviço de Napoleão. Em 1808
foi nomeada uma Junta Provisória presidida pelo bispo do Porto. É também neste
ano que os soldados britânicos desembarcam na Galiza atravessando as fronteiras
portuguesas em Julho para se defrontarem com os franceses nas batalhas da
Roliça e do Vimieiro, forçando Junot a pedir um armistício. Em Setembro os
franceses embarcam para França, levando consigo uma parte do saque.
A antiga regência que
tinha sido nomeada por D. João VI foi restabelecida, mas agora sob a tutela do
Marquês das Minas. Depois de voltar à ordem, o país prepara-se para enfrentar
uma futura invasão, esta preparação defensiva ficou a cargo do general
britânico William Beresford (março 1809), sendo eleito marechal-de-campo do
exército português, governando o país até 1820.
Terminado o período das
invasões francesas, Portugal fica sob o protetorado inglês e, simultaneamente,
como uma colónia brasileira, pois a corte tinha-se mudado para o Rio de Janeiro
a quando da primeira invasão francesa. A regência que se mantinha em Portugal
seguia uma orientação absolutista, perseguindo todos aqueles que eram vistos
como liberais. São estes acontecimentos que geraram descontentamento popular e
que mais tarde levariam à revolução civil.
ANEXO
II
Gomes Freire de Andrade
nasceu a 27 de janeiro de 1757, em Viena, filho de Ambrósio Pereira Freire de
Andrade e Castro, que colaborou na empresa do Marquês de Pombal contra os
Jesuítas e embaixador de D. José I na Áustria, e da condensa Elisabeth von
Schaffgostch. Após ficar órfão de pai, aos 17 anos, voltou com a mãe e a irmã
para Portugal, onde se alistou no exército. Como militar realizou um percurso
notável, destacando-se pela sua bravura e capacidade de liderança, do qual
ilustramos alguns exemplos: em 1784, na Armada Real espanhola e sob as ordens
de Carlos III, participou como guarda-marinha participou no bombardeamento de
Argel; nos anos 1788-1789 serviu no exército da czarina Catarina II, sob o
comando do príncipe Potemkine, na guerra contra a Turquia, sendo condecorado
com a ordem de S. Jorge e promovido a tenente-coronel pela própria czarina. Entre
1808 e 1811 serviu na “Legião Portuguesa” (criada por Jean-Andoche Junot e
chefiada por Gomes Freire e pelo Marquês da Alorna), que obedecendo à vontade
de conquista de Napoleão Bonaparte, preparou a invasão à Rússia em 1811.
Em 1815 Gomes Freire
voltou a Portugal, aderindo à Maçonaria na qual foi terceiro grão-mestre
(1816). Em maio de 1817, participou numa conspiração que punha em causa a
pertinência do protetorado inglês e que era representado por William Beresford.
Nesse mesmo ano, a 18 de outubro, é condenado à morte pelo crime de traição à
pátria, juntamente com 11 oficiais, entre eles: o coronel Manuel Monteiro de
Carvalho, os majores José Campelo de Miranda e José da Fonseca Neves, sendo
executados na forca no forte de S. Julião da Barra, em Oeiras. Depois de
enforcado, o corpo de Gomes Freire foi mutilado e queimado, sendo os seus
restos mortais enterrados no areal.
ANEXO
III
Humberto da Silva
Delgado nasceu a 15 de maio de 1906 em São Simão da Brogueira (conselho de
Torres Novas). Terminou o Colégio Militar em 1922. A 28 de maio de 1926
participou no movimento militar que derrubou a República Parlamentar para dar
lugar a uma Ditadura Militar e que antecedia à implementação do Estado Novo
encabeçado por Salazar. Existem alguns acontecimentos da vida de Humberto
Delgado que gostaríamos de referir, tais como: a sua participação nos acordos
secretos com a Inglaterra a respeito da construção de Bases Aliadas nos Açores
durante a Segunda Guerra Mundial e, em 1952, foi membro do comité dos
Representantes Militares da NATO. Recebeu diversas menções honrosas,
mencionando algumas: Oficial da Ordem Militar de Avis (24 de dezembro de 1936);
Comendador da Ordem Militar de Cristo (11 de abril de 1947); Oficial da Legion
of Merit dos Estados Unidos (17 de setembro de 1955); e Grã-Cruz da Ordem da
Liberdade (30 de junho de 1980, a título póstumo).
Na sua vida política,
em 1958, concorreu nas eleições como opositor a Américo Tomás (candidato do
regime do Estado Novo). Ganhando popularidade quando numa conferência de
imprensa, a 10 de maio de 1958 no café Chave de Ouro, em Lisboa, um jornalista
perguntou a Delgado o que é que este faria se fosse eleito, ao qual este
respondeu: “Obviamente, demito-o!”. A derrota eleitoral em 1959, devido à
fraude eleitoral montada pelo regime e a par das ameaças da polícia política,
obrigaram Delgado a pedir exílio no Brasil. Em 13 de fevereiro de 1965,
pensando reunir-se com opositores do regime, caiu numa emboscada montada pelos
agentes da PIDE na fronteira espanhola Villanueva del Fresno, onde morre
assassinado. A 19 de julho de 1988, a Assembleia da República decide transladar
os restos mortais de Humberto Delgado para o Panteão Nacional.
Bibliografia:
Conceição, J. &
Gabriela, L. (2003), Felizmente Há Luar!
de Luís Sttau Monteiro, Porto: Porto Editora.
Marques, A. (1978), História de Portugal, Lisboa: Palas
Editores, p. p. 577-581.
Oliveira, F. (1999),
“Monteiro (Luís de Sttau)” in AAVV, Biblos: Enciclopédia Verbo das Literaturas
de Língua Portuguesa III, Lisboa: Editorial Verbo, p. p. 905-908.