sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Deambulações nocturnas

É certo, bebemos uns "canecos" a mais, e o dia como "um doente adormecido a éter sobre a mesa", indolentemente cuidava de todas as coisas. O dia como uma mãe extremamente dedicada, mas sem poder amar os seus filhos. O dia como um compromisso e o sol no centro. O dia reduzido ao dia, sem mais. O dia pesando os meus passos na balança do nada. O dia.
Entretanto tropecei e cai, julguei até que fosse da bebedeira, mas este chão não era como todos os outros, este chão não era chão. Era antes, um abismo sem fim, abrindo-se infinitamente sob o meu espanto. Eu bem que, cravando as unhas nas paredes desse abismo, me esforçava por travar a sua devastidão, mas ele parecia-me tão poderoso, tão poderoso, que se quisesse até o universo podia segurar só com a força e violência das suas mandíbulas. Onde eu caia, se é que caia e não era somente efeito da borracheira, o ar era insuportável, impossível mesmo. O ar apertava-me o pescoço até a garganta me impedir de gritar fosse por que fosse, e a boca, os lábios que de tão secos já haviam caido, as unhas os dedos e as mãos como estátuas de sal. Para trás ficaram também os meus bonitos sapatos, - oh! como eram bonitos -, outrora possantes de terra e vida, agora feios, estúpidos, sem pés para servir, sem chão para se espreguiçarem. E a morte? Sim, esse abismo...
David Santos

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