terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Só, António Nobre


A obra que partilharemos convosco realizada em 1892 por António Nobre. Nobre nascera na cidade do Porto a 16 de Agosto de 1867; vai cursar direito em Coimbra; vendo a sua empresa frustrada, segue para Paris inscrevendo-se na Universidade de Sobornne em 1890 onde conclui o tão almejado curso em 1893; em 1900 no dia 18 de Março falece na Foz do Douro devido à Tuberculose que já vinha minando a sua saúde desde o término dos estudos universitários. Da sua personalidade, damos destaque à sua figura extravagante e dândi, que se denotarão nalguns dos poemas que iremos enunciar. A acrescentar, este poeta foi um dos protagonistas do neogarrettismo (mais conhecido por neoromantismo) cronologicamente situado no último quartel do século XIX que presta homenagem aos românticos, em especial os introdutores do romantismo português como, por exemplo, Almeida Garrett. Ideologicamente nacionalista trata de recuperar a literatura popular pela convicção de que ela é a fonte genuína da cultura portuguesa dando-lhe a pedra toque do romantismo como os sentimentos de orfandade e perda de identidade; que se enquadram na escola decadentista. Esta escola literária tinha como preferência o simbolismo; por sua vez, esta doutrina foi formulada em finais do século XIX em ataque direto aos parnasianos –  que defendiam que a obra de arte vale pela sua qualidade de imitação da realidade exterior –, contrapondo com a concepção de que a obra de arte vale por si mesma, pelos sentimentos, sensações e pensamentos que conseguem despertar.
Abordando a obra propriamente dita, é mediatizada pela memória, no entanto, não a podemos minimizar a uma simples autobiografia escrita por um tuberculoso, como iremos desvelar ao longo deste pequeno texto. No momento em que esta obra chegou às mãos do publico; causou grande estupefacção pelo provocante narcisismo, voluntário infantilismo e prosaísmo aparente de certos motivos e a coloquialidade de certas formas a par de chocantes componentes imaginíficas (o funério, o macabro, o mórbido) e de liberdades estrófico-versatórias ainda escassas em obras nefelibatas – que se tipificam pelos aspetos intermotivados e coesos que estão presentes na obra e a que o autor permanece fiel. Aprofundando ainda mais o nosso estudo, apesar de António Nobre anunciar no início desta obra “que é o livro mais triste que há em Portugal” (“Memória”), e embora a tristeza seja o sentimento perseverante em toda a obra, ainda existe uma centelha de felicidade que brilha na infância vivida no norte de Portugal, pelo relembrar das gentes do Douro interior como expressa o poema: “Para as raparigas de Coimbra”, sobressaindo a vida boémia, típica do ambiente estudantil experienciado em Coimbra, a alegria dos arrais a companhia das moçoilas que dançam numa euforia que convive com um cenário macabro e irónico de doença e morte «como se o autor nos quisesse alertar que a vida e a morte andam de mão dada e que constituem um eterno ciclo» o que, também, demarca um certo pessimismo como o demonstra “Baladas do Caixão”. Já noutro poema (“Memória”), exibe uma certa nostalgia pela infância, mas sempre com o prenúncio de destino fatal insurgido pelas moiras na mesma composição do poeta afirma-se como filho de Virgílio, destacando-se como um poeta nato, revelando ainda a sua faceta de extravagante e sonhador inconsequente, sendo esta última face atestada no poema: “Na praia lá da Boa Nova”. E que convive com o seu lado saudosista (“Saudade”), evocando poetas do passado, como Virgílio e Garrett. Ainda fazendo referência a este último autor temos “Viagens na Minha Terra”, descrevendo cenários pitorescos portugueses, como sucede no soneto: “Poveirinhos! Meus velhos pescadores”.
Iniciando a nossa análise formal da obra, 1898 Nobre introduz uma ordenação por sessões recriando a vida de uma personagem: sendo as três primeiras constituídas por um único (o proémio “Memória”; “António”; e “Lusitânia no Bairro Latino”) a que se seguem as restantes sessões, já constituídas por diversos textos (“Entre Douro e Minho”; “Lua Cheia”; “Lua Quarto-Minguante”; dezoito “Sonetos”; “Elegias”; e o longo díptico “Males do Anto”). Sobressaindo ainda o fato do poema “Memória”, que até à primeira data de edição (1892) estava estruturado num soneto, sofre uma alteração na segunda edição (1898) passando a estar disposto em dezoito dísticos alexandrinos.
Passamos agora a confrontar o nosso amigo com a seguinte questão, e tendo como exemplo toda uma geração que vai desde os pré-românticos até aos neoromânticos, poderá a morte, assim como tudo aquilo que gira em torno dela, servir de eixo motriz para a criatividade? E porquê? E de que forma?  


Fernando de Almeida.