Não creio ser abusivo denunciar o intento, verdadeiramente revolucionário, deste governo, em alterar, fundamentalmente, a estrutura produtiva/económica do país até aqui vigente, e, com isso, a própria estrutura estatal. Mas, e com a proeza de, ainda assim, não se enredar em paradoxos e contradições, no que se refere à perpetuação de certos elementos "conservadoristas" que escapam ilesos a este PREC "liberal".
Deste modo, o governo de Passos Coelho tem conseguido reduzir o Estado social a um Estado social mínimo, ainda que, e lá vêm as contradições aparentes, não tenha "atacado", com a veemência exigida pelas exigências de equidade austeritária, nas tais "gorduras" do Estado - que em período eleitoral tão bem as indicava - e ainda tenha tido o desplante (neste último comunicado de sexta-feira de 7 de Setembro) de adiar prometendo - mas não dizendo o quê, nem o como, nem o quando destes cortes - tal propósito. Assim, e sem qualquer passe de alquimia, o governo consegue conjugar um estado social mínimo - que subverte, como referiu Bagão Félix em reacção, o regime previdencial - sem, nesse acto, reduzir seja o que for naquilo que faz deste um estado "gordo". As PPP´s perpetuam-se no seu canibalismo auto-regenerante; as fundações e empresas públicas, permanecem, no seu essencial, intocáveis; e, monopólios naturais, como a EDP, a auferir as rendas criminosas - tendo em conta o estado público da nação - que auferem. Quer dizer, perante os tumultos da revolução "neoliberal" (que precariza todos os domínios da vida pública, invertendo, inclusive, os mecanismos de reciprocidade onde assenta o chamado Estado Social - repare-se que à subida da taxa de contribuição para a Segurança Social não corresponde nenhuma garantia por parte deste serviço; o dinheiro, desta forma extorquido, não tem o carácter de uma promessa de um futuro estado de bem-estar garantido - como as pensões sociais asseguram), o estado clientelar, a que nos habituaram 10 anos de governo de rotação de eixo central, prevalece sem mácula nem comedimento.
E é assim que, face ao plano de reestruturação do tecido produtivo português, podemos por ora admitir, nocivamente dependente do mercado interno, o governo volta-se a encher de boas intenções, mas, uma vez mais, de más práticas - descontando, com toda a minha a benevolência possível e por agora, a própria crítica a esta orientação almejada- já que, se a descida da TSU para as empresas favorece, decerto, o capital exportador (que não tem os problemas de retraimento no consumo que o nosso país tem - já que procura consumidores no resto do globo), quem mais beneficia, pela universalidade incondicional da medida, são precisamente as maiores empresas portuguesas (presentes no PSI 20) e que, por este meio politicamente legalizado, apenas robustecem a sua postura oligárquica, sem, no entanto, trazerem qualquer mais-valia, seja em termos de crescimento da riqueza nacional, redistribuição dessa riqueza, diminuição da taxa de desemprego... Somando ainda o facto essencial de, assumindo que quem beneficia com as medidas anunciadas na sexta-feira são as empresas exportadoras, o motivo utilizado para as justificar (a criação de emprego) é mais que falacioso, redondamente falso. Pois que, a criação desse novo tecido empresarial (em detrimento do que nos trouxe até aqui), e consequente contratação laboral, está tão só dependente do tal investimento financeiro ao qual não temos acesso neste momento. Assim, as únicas empresas a beneficiar da redução das contribuições para a SS são as que já existem e têm o seu número de trabalhadores assegurado. Como vemos, mesmo no que se refere à revolução (mais que reforma) da estrutura produtiva do país, o governo, mais do que ficar a meio caminho, permanece enredado no caminho dos outros anteriores governos: beneficiando os mesmos (poucos), prejudicando os mesmos (quase todos).
David Santos.