A
obra que partilharemos convosco realizada em 1892 por António Nobre. Nobre
nascera na cidade do Porto a 16 de Agosto de 1867; vai cursar direito em
Coimbra; vendo a sua empresa frustrada, segue para Paris inscrevendo-se na
Universidade de Sobornne em 1890 onde conclui o tão almejado curso em 1893; em
1900 no dia 18 de Março falece na Foz do Douro devido à Tuberculose que já vinha
minando a sua saúde desde o término dos estudos universitários. Da sua
personalidade, damos destaque à sua figura extravagante e dândi, que se
denotarão nalguns dos poemas que iremos enunciar. A acrescentar, este poeta foi
um dos protagonistas do neogarrettismo (mais conhecido por neoromantismo)
cronologicamente situado no último quartel do século XIX que presta homenagem
aos românticos, em especial os introdutores do romantismo português como, por
exemplo, Almeida Garrett. Ideologicamente nacionalista trata de recuperar a
literatura popular pela convicção de que ela é a fonte genuína da cultura
portuguesa dando-lhe a pedra toque do romantismo como os sentimentos de
orfandade e perda de identidade; que se enquadram na escola decadentista. Esta
escola literária tinha como preferência o simbolismo; por sua vez, esta
doutrina foi formulada em finais do século XIX em ataque direto aos parnasianos
– que defendiam que a obra de arte vale
pela sua qualidade de imitação da realidade exterior –, contrapondo com a concepção
de que a obra de arte vale por si mesma, pelos sentimentos, sensações e
pensamentos que conseguem despertar.
Abordando
a obra propriamente dita, Só é
mediatizada pela memória, no entanto, não a podemos minimizar a uma simples
autobiografia escrita por um tuberculoso, como iremos desvelar ao longo deste
pequeno texto. No momento em que esta obra chegou às mãos do publico; causou
grande estupefacção pelo provocante narcisismo, voluntário infantilismo e
prosaísmo aparente de certos motivos e a coloquialidade de certas formas a par
de chocantes componentes imaginíficas (o funério, o macabro, o mórbido) e de
liberdades estrófico-versatórias ainda escassas em obras nefelibatas – que se
tipificam pelos aspetos intermotivados e coesos que estão presentes na obra e a
que o autor permanece fiel. Aprofundando ainda mais o nosso estudo, apesar de
António Nobre anunciar no início desta obra “que é o livro mais triste que há
em Portugal” (“Memória”), e embora a tristeza seja o sentimento perseverante em
toda a obra, ainda existe uma centelha de felicidade que brilha na infância
vivida no norte de Portugal, pelo relembrar das gentes do Douro interior como
expressa o poema: “Para as raparigas de Coimbra”, sobressaindo a vida boémia,
típica do ambiente estudantil experienciado em Coimbra, a alegria dos arrais a
companhia das moçoilas que dançam numa euforia que convive com um cenário
macabro e irónico de doença e morte «como se o autor nos quisesse alertar que a
vida e a morte andam de mão dada e que constituem um eterno ciclo» o que,
também, demarca um certo pessimismo como o demonstra “Baladas do Caixão”. Já
noutro poema (“Memória”), exibe uma certa nostalgia pela infância, mas sempre
com o prenúncio de destino fatal insurgido pelas moiras na mesma composição do
poeta afirma-se como filho de Virgílio, destacando-se como um poeta nato,
revelando ainda a sua faceta de extravagante e sonhador inconsequente, sendo
esta última face atestada no poema: “Na praia lá da Boa Nova”. E que convive
com o seu lado saudosista (“Saudade”), evocando poetas do passado, como
Virgílio e Garrett. Ainda fazendo referência a este último autor temos “Viagens
na Minha Terra”, descrevendo cenários pitorescos portugueses, como sucede no
soneto: “Poveirinhos! Meus velhos pescadores”.
Iniciando
a nossa análise formal da obra, 1898 Nobre introduz uma ordenação por sessões
recriando a vida de uma personagem: sendo as três primeiras constituídas por um
único (o proémio “Memória”; “António”; e “Lusitânia no Bairro Latino”) a que se
seguem as restantes sessões, já constituídas por diversos textos (“Entre Douro
e Minho”; “Lua Cheia”; “Lua Quarto-Minguante”; dezoito “Sonetos”; “Elegias”; e
o longo díptico “Males do Anto”). Sobressaindo ainda o fato do poema “Memória”,
que até à primeira data de edição (1892) estava estruturado num soneto, sofre
uma alteração na segunda edição (1898) passando a estar disposto em dezoito
dísticos alexandrinos.
Passamos
agora a confrontar o nosso amigo com a seguinte questão, e tendo como exemplo
toda uma geração que vai desde os pré-românticos até aos neoromânticos, poderá
a morte, assim como tudo aquilo que gira em torno dela, servir de eixo motriz
para a criatividade? E porquê? E de que forma?
Fernando de Almeida.