José Duarte Ramalho
Ortigão nasceu no Porto a 24 de Outubro de 1836. Foi magistrado, jornalista e
escritor. Decorria o ano de 1865 quando se envolveu na tão afamada Questão
Coimbrã. Desenvolveu laços com o grupo das Conferências do Casino e, em
especial, com Eça de Queirós com o qual colaborou na elaboração d’O Mistério da Estrada de Sintra. Como
resultado desta íntima amizade, iniciou a edição d’As Farpas, estávamos então no ano de 1871. Veio a falecer em Lisboa
a 27 de Setembro de 1915.
A obra que aqui vamos
desfiar é composta por seis histórias: 1ª) A
Dança; 2ª) A morte de Rosinha; 3ª)
Gastão: Memórias da Mocidade (dividida
em 8 capítulos); 4ª) Ele e Ela; 5ª) Uma visita de pêsames: Página da vida
burguesa; 6ª) Na aldeia. Sendo
esta obra essencialmente de cariz romântico.
No caso da primeira
história a dança é a temática pungente, saber quem é que a inventou se foi a
Deusa Ops que ensinou os sacerdotes dos templos de Creta e Phrygia a dançar ou
se foi Pyrrho, filho de Achilies, para expressar a sua dor no dia do enterro do
pai. Mas não no retemos apenas por aqui, o nosso narrador também aborda os mais
diversos géneros de dança, tais como: a valsa que é considerada como algo de
tão sensual como um beijo solto ou o cancan francês como algo de exuberante. A
par disto, e ainda associado à dança, encontramos alguns episódios burlescos
como o do cardeal Richelieu que dançou a sarabanda nos aposentos da senhora de
Chevreuse (Ana de Áustria, esposa de Luís XIII).
Na segunda história, temos o relato da morte
de uma rapariguinha de 7 anos com cabeça loira e olhos azuis, de seu nome
Rosinha, que sabia que iria morrer mas a crença na vida após a morte
confortava-a de alguma maneira. Esta inevitabilidade causava na mãe uma grande
angústia que recorreu a tudo ao que estava ao seu alcance para a resgatar do
regaço da morte. Este relato, segundo o narrador, é dedicado a Clarice que
queria uma história factual.
Na terceira história,
temos o relato amoroso de Gastão com Fanny. Uma história que começa quando
Gastão tem 18 anos e Fanny na flor dos seus 30 anos, educada no Sacré Couer,
alegre, modesta e de admirável cultura. Os dois passavam as tardes juntos na
casa dela, situada no meio de um bosque de castanheiros, a tocar Beethoven e
Mendelssohn. Pouco depois, Gastão teria que partir para Madrid, Espanha, com o
barão C…, amigo de seu pai, para aí permanecer durante dois meses. Após esse
período, muda-se para França, primeiro em Hombourg-ès-Monts, onde teve uma paixoneta
com uma mulher animada pelo desejo e pela travessura. Viera a separar-se dela
na estação, pois vira-a a namoriscar um hussard no café da gare, no ímpeto
saltou para a carruagem em que seguiam agarrou nos seus pertences e mudou-se
para o primeiro comboio que vinha de Paris, na segunda ou terceira estação
muda-se para o primeiro trem que segue com destino a Paris. Em Paris envolve-se
num duelo de espadas com o conde Toscolo por uma mulher: Dama Branca. De volta
a Lisboa, em 1868, temos Gastão com trinta e dois anos de idade desiludido com
a vida a trocar correspondência com a Madame Veuve de L…, seu antigo amor
(Fanny), agradecendo-lhe pela sua convivência e por ter sido a sua mentora; por
outro lado, Fanny pede-lhe que deixe o amor que foi vivido pelos dois em paz e
enterrado, pede-lhe apenas que fiquem como amigos. No entanto, no final Gastão
contempla o vulto de Fanny através de uma vidraça de uma casa situada num vale
no meio de um bosque de amendoeiras, estabelecendo uma assimilação entre a casa
e uma urna e na qual ficaria para sempre sepultada a memória do seu primeiro
amor. Nas cartas trocadas entre os dois destaca-se, também, outro assunto: a
mediocridade e esterilidade da política portuguesa, fazendo uma comparação com
a política inglesa que sempre era mais prudente e produtiva.
Na história de Ele e Ela, o relato de uma viagem de
comboio entre um português que tinha vindo de Paris na companhia de uma moça
alemã. Pernoitando no hotel Bragança para na manhã seguinte seguirem para Santa
Apolónia em direção ao Porto. No vagão aproveitam para se conhecerem melhor,
enquanto jogavam às cartas. O nosso narrador começa por desvelar que é um jovem
dos seus 30 anos, pobre e de génio apaixonado, de dedos finos; ela confessa-lhe
que é amada mas que esse amor nunca chegou a ir além da correspondência. Após
essa conversa, ela oferece-lhe uma laranja e enquanto ele a comia, uma corrente
de ar rapta-lhe o chapéu, perante tamanho embaraço do cabelo despenteado; o
senhor S. M. ofereceu-lhe um chapéu que estava guardado na sua caixa de
chapéus, contudo saiu pior a emenda que o soneto. Com um chapéu ridículo que
lhe engolia a cabeça e que mais parecia um barrete ornamentado com amores-perfeitos,
o que provocou na alemã duas gargalhadas e a afirmação de que o amava.
Terminando com a comparação do chapéu a um túmulo das suas ilusões para um
formoso dia, ao fim da sua imagem de felicidade.
Na história posterior,
temos como cenário um velório na freguesia da Sé, no Porto, em honra de Josefa
Teixeira esposa do lojista Serafim Gonçalves. E das hostilidades entre este
lojista e o capelista Eusébio Anjos. As hostilidades remontam a uma questão de
supremacia em que os dois concorreram pela mesma confraria numa procissão. E
que estoirou quando, no velório, o regedor deu a conhecer ao merceeiro que a
defunta tinha vendido o ouro para entregar o dinheiro ao António para abrir um
negócio, cujas escrituras e recibos estavam em nome deste, e cujo irmão ficou a
tomar conta do boticário. Este irmão estava a viver em casa de Eusébio. Sabendo
disto, Serafim inicia uma briga com Eusébio, não deixando este de lhe dar
troco. No calor da briga surge um clérigo a anunciar que a defunta está viva e
que apenas tinha sofrido um letargo. Ela surge para felicitar o marido pela sua
lealdade e perdoa-o pelos seus relacionamentos extraconjugais e pela sua
forretice. Daqui chega-nos a seguinte moral: assim como o homem deve ser
comedido nas suas cobranças também a mulher o deve ser à mesa.
A nossa última
história, Na aldeia, decorre na época
da apanha das castanhas, retratando o amor vivido entre Pedro, criado de João
Serras, e Margarida, filha deste. Passados cinco meses após a apanha dos
ouriços e de ouvir vários boatos de que se passava qualquer coisa de estranho e
de sobrenatural na casa do tio João da Serra, como era conhecido. João da Serra
senta-se à mesa de forma severa e decide que a filha Margaridinha iria dormir
no quarto dos progenitores. Já ele e o seu filho mais velho iriam esperar
armados no quarto de Margarida a aguardar que alguém abrisse a janela, daí a
pouco tempo surge um vulto masculino imediatamente ouve-se um tiro e o barulho
de um corpo a cair no chão. No dia seguinte descobre-se que esse vulto
pertencia a Pedro, sendo o seu enterro nesse dia e comparecido por Margarida e
alguns habitantes da zona. De desgosto, Margarida suicida-se caindo numa azenha.
Como é usual, lançamos
algumas questões ao nosso caro leitor: Qual será a origem da dança? Será que
existe vida para além da morte? O que é o amor? Na última história, parece-nos
indicar um Portugal de gente embrutecida, será que esse género de comportamento
ainda hoje se mantem?
Bibliografia:
Ferraz, M. (1999),
“ORTIGÃO (José Duarte Ramalho)” in AAVV,
Biblos: Enciclopédia Verbo das
Literaturas de Língua Portuguesa vol. III, Lisboa: Editorial Verbo, p.p.
1303-1307.