segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Ramalho Ortigão, Histórias cor-de-rosa

José Duarte Ramalho Ortigão nasceu no Porto a 24 de Outubro de 1836. Foi magistrado, jornalista e escritor. Decorria o ano de 1865 quando se envolveu na tão afamada Questão Coimbrã. Desenvolveu laços com o grupo das Conferências do Casino e, em especial, com Eça de Queirós com o qual colaborou na elaboração d’O Mistério da Estrada de Sintra. Como resultado desta íntima amizade, iniciou a edição d’As Farpas, estávamos então no ano de 1871. Veio a falecer em Lisboa a 27 de Setembro de 1915.
A obra que aqui vamos desfiar é composta por seis histórias: 1ª) A Dança; 2ª) A morte de Rosinha; 3ª) Gastão: Memórias da Mocidade (dividida em 8 capítulos); 4ª) Ele e Ela; 5ª) Uma visita de pêsames: Página da vida burguesa; 6ª) Na aldeia. Sendo esta obra essencialmente de cariz romântico.
No caso da primeira história a dança é a temática pungente, saber quem é que a inventou se foi a Deusa Ops que ensinou os sacerdotes dos templos de Creta e Phrygia a dançar ou se foi Pyrrho, filho de Achilies, para expressar a sua dor no dia do enterro do pai. Mas não no retemos apenas por aqui, o nosso narrador também aborda os mais diversos géneros de dança, tais como: a valsa que é considerada como algo de tão sensual como um beijo solto ou o cancan francês como algo de exuberante. A par disto, e ainda associado à dança, encontramos alguns episódios burlescos como o do cardeal Richelieu que dançou a sarabanda nos aposentos da senhora de Chevreuse (Ana de Áustria, esposa de Luís XIII).
 Na segunda história, temos o relato da morte de uma rapariguinha de 7 anos com cabeça loira e olhos azuis, de seu nome Rosinha, que sabia que iria morrer mas a crença na vida após a morte confortava-a de alguma maneira. Esta inevitabilidade causava na mãe uma grande angústia que recorreu a tudo ao que estava ao seu alcance para a resgatar do regaço da morte. Este relato, segundo o narrador, é dedicado a Clarice que queria uma história factual.  
Na terceira história, temos o relato amoroso de Gastão com Fanny. Uma história que começa quando Gastão tem 18 anos e Fanny na flor dos seus 30 anos, educada no Sacré Couer, alegre, modesta e de admirável cultura. Os dois passavam as tardes juntos na casa dela, situada no meio de um bosque de castanheiros, a tocar Beethoven e Mendelssohn. Pouco depois, Gastão teria que partir para Madrid, Espanha, com o barão C…, amigo de seu pai, para aí permanecer durante dois meses. Após esse período, muda-se para França, primeiro em Hombourg-ès-Monts, onde teve uma paixoneta com uma mulher animada pelo desejo e pela travessura. Viera a separar-se dela na estação, pois vira-a a namoriscar um hussard no café da gare, no ímpeto saltou para a carruagem em que seguiam agarrou nos seus pertences e mudou-se para o primeiro comboio que vinha de Paris, na segunda ou terceira estação muda-se para o primeiro trem que segue com destino a Paris. Em Paris envolve-se num duelo de espadas com o conde Toscolo por uma mulher: Dama Branca. De volta a Lisboa, em 1868, temos Gastão com trinta e dois anos de idade desiludido com a vida a trocar correspondência com a Madame Veuve de L…, seu antigo amor (Fanny), agradecendo-lhe pela sua convivência e por ter sido a sua mentora; por outro lado, Fanny pede-lhe que deixe o amor que foi vivido pelos dois em paz e enterrado, pede-lhe apenas que fiquem como amigos. No entanto, no final Gastão contempla o vulto de Fanny através de uma vidraça de uma casa situada num vale no meio de um bosque de amendoeiras, estabelecendo uma assimilação entre a casa e uma urna e na qual ficaria para sempre sepultada a memória do seu primeiro amor. Nas cartas trocadas entre os dois destaca-se, também, outro assunto: a mediocridade e esterilidade da política portuguesa, fazendo uma comparação com a política inglesa que sempre era mais prudente e produtiva.
Na história de Ele e Ela, o relato de uma viagem de comboio entre um português que tinha vindo de Paris na companhia de uma moça alemã. Pernoitando no hotel Bragança para na manhã seguinte seguirem para Santa Apolónia em direção ao Porto. No vagão aproveitam para se conhecerem melhor, enquanto jogavam às cartas. O nosso narrador começa por desvelar que é um jovem dos seus 30 anos, pobre e de génio apaixonado, de dedos finos; ela confessa-lhe que é amada mas que esse amor nunca chegou a ir além da correspondência. Após essa conversa, ela oferece-lhe uma laranja e enquanto ele a comia, uma corrente de ar rapta-lhe o chapéu, perante tamanho embaraço do cabelo despenteado; o senhor S. M. ofereceu-lhe um chapéu que estava guardado na sua caixa de chapéus, contudo saiu pior a emenda que o soneto. Com um chapéu ridículo que lhe engolia a cabeça e que mais parecia um barrete ornamentado com amores-perfeitos, o que provocou na alemã duas gargalhadas e a afirmação de que o amava. Terminando com a comparação do chapéu a um túmulo das suas ilusões para um formoso dia, ao fim da sua imagem de felicidade.
Na história posterior, temos como cenário um velório na freguesia da Sé, no Porto, em honra de Josefa Teixeira esposa do lojista Serafim Gonçalves. E das hostilidades entre este lojista e o capelista Eusébio Anjos. As hostilidades remontam a uma questão de supremacia em que os dois concorreram pela mesma confraria numa procissão. E que estoirou quando, no velório, o regedor deu a conhecer ao merceeiro que a defunta tinha vendido o ouro para entregar o dinheiro ao António para abrir um negócio, cujas escrituras e recibos estavam em nome deste, e cujo irmão ficou a tomar conta do boticário. Este irmão estava a viver em casa de Eusébio. Sabendo disto, Serafim inicia uma briga com Eusébio, não deixando este de lhe dar troco. No calor da briga surge um clérigo a anunciar que a defunta está viva e que apenas tinha sofrido um letargo. Ela surge para felicitar o marido pela sua lealdade e perdoa-o pelos seus relacionamentos extraconjugais e pela sua forretice. Daqui chega-nos a seguinte moral: assim como o homem deve ser comedido nas suas cobranças também a mulher o deve ser à mesa.
A nossa última história, Na aldeia, decorre na época da apanha das castanhas, retratando o amor vivido entre Pedro, criado de João Serras, e Margarida, filha deste. Passados cinco meses após a apanha dos ouriços e de ouvir vários boatos de que se passava qualquer coisa de estranho e de sobrenatural na casa do tio João da Serra, como era conhecido. João da Serra senta-se à mesa de forma severa e decide que a filha Margaridinha iria dormir no quarto dos progenitores. Já ele e o seu filho mais velho iriam esperar armados no quarto de Margarida a aguardar que alguém abrisse a janela, daí a pouco tempo surge um vulto masculino imediatamente ouve-se um tiro e o barulho de um corpo a cair no chão. No dia seguinte descobre-se que esse vulto pertencia a Pedro, sendo o seu enterro nesse dia e comparecido por Margarida e alguns habitantes da zona. De desgosto, Margarida suicida-se caindo numa azenha.   
Como é usual, lançamos algumas questões ao nosso caro leitor: Qual será a origem da dança? Será que existe vida para além da morte? O que é o amor? Na última história, parece-nos indicar um Portugal de gente embrutecida, será que esse género de comportamento ainda hoje se mantem?

Bibliografia:


Ferraz, M. (1999), “ORTIGÃO (José Duarte Ramalho)” in AAVV, Biblos: Enciclopédia Verbo das Literaturas de Língua Portuguesa vol. III, Lisboa: Editorial Verbo, p.p. 1303-1307.