terça-feira, 12 de novembro de 2013

Luís Sttau Monteiro, Felizmente Há Luar

Luís Sttau Monteiro nasceu em Lisboa em 1926, com 13 anos mudou-se para a capital inglesa, Londres, onde o pai trabalhava como embaixador. Posteriormente,  voltou outra vez para Portugal para concretizar a licenciatura em Direito, pela Universidade de Lisboa, tendo desempenhado as funções de advogado durante um curto período de tempo. Veio a falecer em 1993.
Em 1960 edita o seu primeiro livro, um romance, intitulado Um Homem não Chora, no ano seguinte são lançadas mais duas obras: Angústia para o Jantar, que o projetou para a ribalta da literatura portuguesa, e a peça teatral Felizmente Há Luar. A estas, juntam-se outras obras de referência: Todos os Anos pela Primavera (1963); O Barão (1964); Auto da Barca do Motor Fora de Borda (1966); A Guerra Santa (1967); A Estátua (1967); As Mãos de Abraão Zacut (1968); Sua Excelência (1971); E se For Rapariga Chama-se Custódia (1978); Crónica Atribulada do Esperançoso Fagundes (1980) e Chuva na Areia (1982).
Abordando a obra Felizmente Há Luar, esta peça de dois atos só foi apresentada pela primeira vez no Teatro Nacional D. Maria em 1978. Denotando-se que a ação da peça estabelece um paralelismo entre a época vivida até à Revolução de 1920[1] e a época que abrange o período do Estado Novo, arquitetado por António de Oliveira Salazar. E o mesmo se comprova com a personagem ausente, e na qual gira toda a ação do drama, o General Gomes Freire D’Andrade (1757-1817)[2] e o General Humberto Delgado (1906-1965)[3]. Sendo este paralelismo histórico uma estratégia comunicativa, utilizada com o fim de transmitir a mensagem que aspira à liberdade e à emancipação do povo por entre as redes apertadas da censura vivida até ao 25 de abril.  
Como personagens temos: Manuel (o mais esclarecido entre os populares pois reconhece a sua impotência para mudar o poder que está instituído), Rita (a mulher de Manuel e a que assiste à detenção do General Gomes Freire D’Andrade), o Antigo Soldado (que serviu sob as ordens do General), Vicente (um membro do povo, mas que tem vergonha do seu berço e, por isso, ambiciona um estatuto social mais elevado tirando partido da denúncia e da lisonja para atingir essa ambição), Dois polícias (que procuram aproveitar a glória alheia, neste caso do cargo que D. Miguel oferece a Vicente), Vários populares (que constantemente estão presentes), D. Miguel Forjaz (representante do poder político, governador do reino, com desejo de manter o status quo e de caráter prepotente), Beresford (governador do reino representando o poder militar, sendo o tom de zombeteiro o mais dominante ao longo desta peça, especialmente nos diálogos com Principal Sousa, homem prático, e com desprezo pelo país devido à sua mediocridade), Principal Sousa (governador do reino figurando o poder secular e um hipócrita), Morais Sarmento e Andrade Corvo (dois denunciantes que procuram recompensa), Frei Diogo de Melo (um frade que não ingressou no clero por riqueza nem por poder, ao contrário de alguns), António de Sousa Falcão (amigo leal de Matilde de Melo e do General Gomes Freire D’Andrade), Matilde de Melo (esposa do General Gomes Freire D’Andrade) e o General Gomes Freire D’Andrade (embora seja uma personagem fisicamente ausente da história ele constitui a temática omnipresente de toda a ação da peça).
A nossa história começa com a personagem Manuel, que no seu monólogo denota a sua impotência perante diversos acontecimentos que têm repercussão nacional, a ele junta-se um popular que lhe responde, da maneira mais caricata, que Rita chegou por volta das 5 horas segundo o seu relógio de ouro, gozando e realçando ainda mais a sua miséria na qual o resto do povo vivia mergulhado. Normalmente, especialmente no primeiro ato, a conversa entre os populares é acompanhada com o som de fundo dos tambores, símbolo da repressão e do poder. No meio destes populares, encontramos um antigo soldado do General Gomes Freire D’Andrade que o retrata como se fosse a esperança do povo capaz de se bater com os reis do Rossio além de ser um homem integro. Mas que é contrariado por Vicente que o aponta como mais um general que apenas quer saber dos seus soldados enquanto estes ainda lhe são úteis e, para terminar, que Gomes Freire era um estrangeirado.
Apesar da argumentação, não interessa o que Vicente diga que os populares ainda continuam com esperança no general, como o desabafa o próprio Vicente na conversa que tem com os dois polícias, no caminho para se encontrar com Miguel Forjaz, e na  qual expõe a sua vergonha que tem em pertencer aos da sua classe social denunciando a vontade de ascender socialmente não importando o quê; o primeiro polícia trata de lembrar a Vicente de que foram eles os portadores da boa nova, com o intuito de beneficiar da promoção deste. Quando Vicente é apresentado a D. Miguel que lhe fala com um tom de prepotência, que é notório quando Vicente lhe revela o que o povo diz acerca de Gomes Freire D’Andrade, ele retruca-lhe que aquilo que o povo diz não tem qualquer valor. Este quadro sai realçado quando Principal Sousa surge pela primeira vez, pelo seu trajar demonstra uma Igreja que não está interessada em defender os princípios da virtude que prega, mas antes, em manter o seu estatuto e poderio, acabando por apresentar a seguinte tese: que a voz de Deus é a voz do rei e não a voz do povo. Ora para a manutenção deste sistema de governo, recorre-se ao incentivo da denúncia como se contempla, no primeiro ato, no diálogo entre Vicente e D. Miguel, em que este promete um cargo como chefe da polícia ao primeiro. Outra personagem importante neste jogo de interesses é Beresford, que no trio do governo representa o poder militar e, também, a visão de um estrangeiro sobre Portugal, que predispondo-se a colaborar com D. Miguel e Principal Sousa desde que estes sirvam os seus interesses, nomeadamente monetários, para compensar o tempo que perdeu num país que despreza. E que se desvela no momento em que observa a paisagem portuguesa, de árvores entisicadas e prados secos, em comparação com a paisagem verdejante da sua terra natal, chega mesmo a ironizar afirmando que as árvores entisicadas parecem terem sido plantadas pelo Principal Sousa. Crítica o raquitismo intelectual, centrado sobretudo em teologia, a própria incultura do povo e o exército pindérico.
É neste jogo de conveniências e num momento em que se suspeita que se está a organizar uma conjura contra os senhores do Rossio, que este trio começa a magicar em alguém que seja proveitoso para executar como chefe da rebelião, e é neste contexto que a personagem ausente na nossa história e que está cativa em S. Julião da Barra se apresenta como alvo. Sendo a justificação para a sua condenação, como o diz D. Miguel, se não é por eles é contra eles, numa alusão clara à atitude do regime salazarista, ou, como mais tarde viria afirmar o marechal Beresford diante de Matilde: que a existência de certos homens já é um crime.
Ora é no segundo ato que surge, pela primeira vez, Matilde de Melo em conjunto com António Falcão que tudo fazem para tentar libertar Gomes Freire, mas sempre em vão. Tanto dirigindo-se aos reis do Rossio como aos elementos do povo; em que Manuel, no segundo ato, lhe desabafa a sua vulnerabilidade perante os diversos acontecimentos, o quanto as classes mais favorecidas procuram tirar proveito da classe mais indigente, não lhe dando nada em troca. Já conformada com o destino que está reservado ao seu companheiro, Matilde juntamente com Sousa Falcão vão assistir à execução de Freire D’Andrade, durante o evento Matilde usa um vestido verde simbolizando a esperança de que algo iria mudar e que sai reforçado pela sua última expressão na obra e que constitui justamente o seu título, e no momento em que a chama da execução começa a atingir o seu apogeu em S. Julião da Barra, Matilde começa a imaginar-se ao lado do seu marido a ajuda-lo a vestir a farda.
Terminando com as nossas habituais questões: será que ainda hoje, considerando que vivemos numa democracia, vivemos num sistema que ainda é repressivo pois exclui aqueles que pensam e agem de forma diferente daquilo que está estabelecido ou que controla a informação que vem a público? Será que, um pouco à semelhança do texto, o poder ainda é muito centralizado? E, ainda à semelhança da obra, favorece a desigualdade e a exclusão social? Será que o povo não tem intervenção direta na maior parte das decisões, especialmente as mais importantes, que presidem no nosso país? E, finalmente, será que somos todos como a personagem tipo Manuel?  

ANEXO I

Estamos a referir-nos ao período que abrange as invasões francesas (1807-1811) e do governo provisório que se instalou nessa altura até à Revolução de 1820. Nos dias que se sucederam à primeira invasão francesa (1807), liderada por Junot, as pilhagens praticadas pelos soldados franceses e espanhóis eram usuais; sendo o exército português transformado numa «Legião Lusitana» ao serviço de Napoleão. Em 1808 foi nomeada uma Junta Provisória presidida pelo bispo do Porto. É também neste ano que os soldados britânicos desembarcam na Galiza atravessando as fronteiras portuguesas em Julho para se defrontarem com os franceses nas batalhas da Roliça e do Vimieiro, forçando Junot a pedir um armistício. Em Setembro os franceses embarcam para França, levando consigo uma parte do saque.
A antiga regência que tinha sido nomeada por D. João VI foi restabelecida, mas agora sob a tutela do Marquês das Minas. Depois de voltar à ordem, o país prepara-se para enfrentar uma futura invasão, esta preparação defensiva ficou a cargo do general britânico William Beresford (março 1809), sendo eleito marechal-de-campo do exército português, governando o país até 1820.
Terminado o período das invasões francesas, Portugal fica sob o protetorado inglês e, simultaneamente, como uma colónia brasileira, pois a corte tinha-se mudado para o Rio de Janeiro a quando da primeira invasão francesa. A regência que se mantinha em Portugal seguia uma orientação absolutista, perseguindo todos aqueles que eram vistos como liberais. São estes acontecimentos que geraram descontentamento popular e que mais tarde levariam à revolução civil.
  
ANEXO II

Gomes Freire de Andrade nasceu a 27 de janeiro de 1757, em Viena, filho de Ambrósio Pereira Freire de Andrade e Castro, que colaborou na empresa do Marquês de Pombal contra os Jesuítas e embaixador de D. José I na Áustria, e da condensa Elisabeth von Schaffgostch. Após ficar órfão de pai, aos 17 anos, voltou com a mãe e a irmã para Portugal, onde se alistou no exército. Como militar realizou um percurso notável, destacando-se pela sua bravura e capacidade de liderança, do qual ilustramos alguns exemplos: em 1784, na Armada Real espanhola e sob as ordens de Carlos III, participou como guarda-marinha participou no bombardeamento de Argel; nos anos 1788-1789 serviu no exército da czarina Catarina II, sob o comando do príncipe Potemkine, na guerra contra a Turquia, sendo condecorado com a ordem de S. Jorge e promovido a tenente-coronel pela própria czarina. Entre 1808 e 1811 serviu na “Legião Portuguesa” (criada por Jean-Andoche Junot e chefiada por Gomes Freire e pelo Marquês da Alorna), que obedecendo à vontade de conquista de Napoleão Bonaparte, preparou a invasão à Rússia em 1811.
Em 1815 Gomes Freire voltou a Portugal, aderindo à Maçonaria na qual foi terceiro grão-mestre (1816). Em maio de 1817, participou numa conspiração que punha em causa a pertinência do protetorado inglês e que era representado por William Beresford. Nesse mesmo ano, a 18 de outubro, é condenado à morte pelo crime de traição à pátria, juntamente com 11 oficiais, entre eles: o coronel Manuel Monteiro de Carvalho, os majores José Campelo de Miranda e José da Fonseca Neves, sendo executados na forca no forte de S. Julião da Barra, em Oeiras. Depois de enforcado, o corpo de Gomes Freire foi mutilado e queimado, sendo os seus restos mortais enterrados no areal.

ANEXO III

Humberto da Silva Delgado nasceu a 15 de maio de 1906 em São Simão da Brogueira (conselho de Torres Novas). Terminou o Colégio Militar em 1922. A 28 de maio de 1926 participou no movimento militar que derrubou a República Parlamentar para dar lugar a uma Ditadura Militar e que antecedia à implementação do Estado Novo encabeçado por Salazar. Existem alguns acontecimentos da vida de Humberto Delgado que gostaríamos de referir, tais como: a sua participação nos acordos secretos com a Inglaterra a respeito da construção de Bases Aliadas nos Açores durante a Segunda Guerra Mundial e, em 1952, foi membro do comité dos Representantes Militares da NATO. Recebeu diversas menções honrosas, mencionando algumas: Oficial da Ordem Militar de Avis (24 de dezembro de 1936); Comendador da Ordem Militar de Cristo (11 de abril de 1947); Oficial da Legion of Merit dos Estados Unidos (17 de setembro de 1955); e Grã-Cruz da Ordem da Liberdade (30 de junho de 1980, a título póstumo).    
Na sua vida política, em 1958, concorreu nas eleições como opositor a Américo Tomás (candidato do regime do Estado Novo). Ganhando popularidade quando numa conferência de imprensa, a 10 de maio de 1958 no café Chave de Ouro, em Lisboa, um jornalista perguntou a Delgado o que é que este faria se fosse eleito, ao qual este respondeu: “Obviamente, demito-o!”. A derrota eleitoral em 1959, devido à fraude eleitoral montada pelo regime e a par das ameaças da polícia política, obrigaram Delgado a pedir exílio no Brasil. Em 13 de fevereiro de 1965, pensando reunir-se com opositores do regime, caiu numa emboscada montada pelos agentes da PIDE na fronteira espanhola Villanueva del Fresno, onde morre assassinado. A 19 de julho de 1988, a Assembleia da República decide transladar os restos mortais de Humberto Delgado para o Panteão Nacional.  

Bibliografia:

Conceição, J. & Gabriela, L. (2003), Felizmente Há Luar! de Luís Sttau Monteiro, Porto: Porto Editora.
Marques, A. (1978), História de Portugal, Lisboa: Palas Editores, p. p. 577-581.
Oliveira, F. (1999), “Monteiro (Luís de Sttau)” in AAVV, Biblos: Enciclopédia Verbo das Literaturas de Língua Portuguesa III, Lisboa: Editorial Verbo, p. p. 905-908.
S.A, Humberto Delgado, s.d., retirado de: http://pt.wikipedia.org/wiki/Humberto_Delgado em 29 de Outubro de 2013.  
S.A, Gomes Freire de Andrade, s.d., retirado de: http://pt.wikipedia.org/wiki/Gomes_Freire_de_Andrade em 31 de Outubro de 2013.



[1] Ver anexo I no final do artigo.
[2] Ver anexo II no final do artigo.
[3] Ver anexo III no final do artigo.