A propósito das afirmações de James Watson sobre a menor inteligência dos africanos (relativamente aos “brancos”), José Manuel Fernandes, em Editorial do Jornal Público, proferiu um conjunto de afirmações que não podem deixar de suscitar vigorosa reacção.
Começa o autor por afirmar que uma conferência de James Watson foi cancelada por delito de opinião. Ora, é muitíssimo disputável que esta afirmação seja verdadeira. Sucedeu simplesmente que o Museu de Ciência de Londres considerou que o teor racista das afirmações que James Watson prestou a um jornal tornou inoportuna a presença do investigador. Imagino mil razões idóneas para esta decisão, mas José Manuel Fernandes apenas viu uma: delito de opinião. Será responsável, no editorial de um jornal que não é populista, suspeitar e acusar instituições tão credenciadas de terem o delito de opinião como critério de cancelamento de conferências? O editorial já foi publicado há mais de uma semana, mas o editorialista não se sentiu obrigado a responder a esta pergunta. E não deixa de ser curioso que, no tempo que foi passando, nenhuma carta ao director de protesto ou crítica tenha sido publicada. Pelo contrário, mais do mesmo foi aparecendo no espaço reservado aos leitores.
José Manuel Fernandes afirma também, apoiando-se em artigo da colunista Sue Blackmore disponível on line, que “a hipótese de Watson (…) tem ocupado muitos cientistas”. Pergunto eu: Tem? O que entende JMF por muitos cientistas? Quais cientistas? E adiante, em tom algo sentencioso, afirma ainda: “goste-se ou não, os estudos existentes são demasiado controversos para se ter a arrogância de, em nome do politicamente correcto, afastar de vez essa hipótese”. Insisto na pergunta: que estudos tão controversos conhece? Ou quem conhece que os conheça? O admirável subentendido do raciocínio de José Manuel Fernandes é simples – parece que anda aí uma controvérsia a ser silenciada por uma força avessa à ciência chamada pensamento politicamente correcto!
Chegados aqui há que dizer que o facto das afirmações do dr. Watson serem controversas não é suficiente para que o assunto sobre o qual elas versam seja controverso. Por outro lado, afirmações politicamente incorrectas, tanto quanto as politicamente correctas, são irrelevantes do ponto de vista científico. A instituição científica não é, para nosso bem, tão vulnerável como parece fazer crer José Manuel Fernandes.
Finalmente – o pior ficou mesmo para o fim – afirma que “conhecer melhor eventuais diferenças nas aptidões dos grupos humanos poderia, por exemplo, ajudar a melhorar o sistema de ensino.” Isto merecia exemplos só para ver se entendi bem. Entretanto vou imaginando um: imaginemos que se descobre que as mulheres são realmente mais inteligentes que os homens. Que sugere José Manuel Fernandes, Sue Blackmore e os presumíveis cientistas silenciados? Escolas separadas? Ensino especial? Diferenciações ponderadas com base no património genético de cada qual? É sempre bom medir as consequências das nossas ideias antes de as exprimirmos, sobretudo quando o meio de expressão é o editorial do Público e quando o público leitor é realmente dotado de alguma sensibilidade ao disparate.
Vamos a ver se nos entendemos: haver diferenças entre os homens é natural – eis uma verdade de La Palisse! Pouco natural será que, nisto, se encontrem razões para que os homens não sejam tratados da mesma maneira no ensino ou, já agora, nos seus direitos de cidadania. Note-se que esta não é uma afirmação científica, nem o poderia ser. As razões que nos motivam e nos justificam neste tipo de afirmações são políticas e morais, quase sempre também razões históricas. Não são, de forma alguma, razões científicas. Exorbitar o campo da ciência, ainda por cima com pseudo-informação científica (como o fez Dr. Watson), é, permito-me citar Isaiah Berlin (grande pensador liberal e convicto defensor do pluralismo de crenças e convicções), “sintoma de imaturidade moral e política”, com os consequentes perigos.
Em suma, é realmente um desgosto que se encontre um editorial deste quilate num jornal que é referência em Portugal e que sempre se destacou pela especial atenção que dá à vida e aos feitos da ciência.
Professor Doutor André Barata, docente na Universidade da Beira Interior
2 comentários:
Tanto quanto sei (sem ser especialista na área), a classificação dos seres humanos em raças não tem qualquer base científica. Ao que parece, a nossa espécie é, simplesmente, demasiado homogénea do ponto de vista genético. As classificações que podemos fazer (a mais usual baseia-se na cor da pele) não concordam umas com as outras. Ou seja, se vamos pela cor da pele temos uma classificação, se vamos pela incidência de certas doenças genéticas obtemos outra classificação não coincidente com a primeira, se vamos pela altura média dos indivíduos, resulta uma terceira classificação incompatível com as duas primeiras, etc, etc, etc. Ou seja, o que é raça?
Depois, admitamos que realmente os "pretos" são menos inteligentes que os "brancos". Ainda assim, e apesar de me tomar por razoavelmente inteligente (para branco), tenho a certeza de que há muitos "pretos" muito mais inteligentes do que eu. Ou do que o Dr. Watson. Ora, a cultura e os quadros legais ocidentais baseiam-se (e bem) no indivíduo, não no grupo. Assim sendo, a crença de que, em média, uns são mais inteligentes do que outros, não se pode traduzir em nada que tenha qualquer materialização prática ou legal. Ou seja, as comparações de "inteligências médias" entre "raças" são irrelevantes.
Por fim, o Dr. Watson é um cientista. Será dos melhores, até. Mas foi ciência o que ele produziu quando afirmou o que afirmou, ainda mais justificado como o justificou ("eles são menos inteligentes como todos os que trabalham com eles podem comprovar")? O Dr. Watson é livre de colocar o problema cientificamente. Até aposto (assim vai o mundo) que conseguiria verbas para o financiar. Poderia começar por definir o que são "pretos", "brancos" e por definir o que significa "inteligência". E depois tentar correlacionar, usando o método experimental, as duas variáveis. O que ele fez foi outra coisa, que vale o que vale: nada.
Concordo com o autor do post. É pena que um jornal como o Público desça a isto, ainda por cima pela mão do seu director.
Parabéns, André. É isso mesmo.
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