The Visitor (Thomas McCarthy, 2007) é um filme sobre ética da/na globalização. Uma ética que se desenvolve para além dos simples limites do cosmopolitismo, para além da tolerância ociosa e estéril, do baço verniz das convenções, de um multiculturalismo sem multiculturalidade, da hegemonização das formalidades em detrimento da pulsão da alteridade, para além da burocratização, esse universal mecânico, frouxo, não criador.
The Visitor narra a história de um professor
universitário de economia que não se reconhece na sua profissão, nas suas
habituais funções, no seu vivido quotidiano, naquelas que são as expetativas de
vida para um norte-americano branco e viúvo, quarentão intelectual de economia.
Em vão que Walter Vale tenta aprender piano – um dos únicos instrumentos
musicais toleráveis para o seu “tipo”. Mas não espantará que, mais tarde, se
revele um inato talento para o djembê.
A
sua vida só principia a mudar quando, por ocasião da necessidade de apresentar
em Nova Iorque um livro para o qual nem contribui (ainda que a verdadeira
autora tenha tido a magnanimidade interessada de o colocar como coautor), Vale
encontra o seu apartamento nesta cidade ocupado por um casal de estrangeiros.
Um jovem sírio de nome Tarek e uma jovem oriunda de Senegal chamada Zainab.
Alguém, um desconhecido Ivan e que saberia da sua prolongada ausência de Nova
Iorque, teria alugado, sem o seu consentimento, o apartamento a este casal. Contrariando
as expectativas do casal Tarek e Zainab, Vale demonstra grande transigência
perante este cenário de grosseira ocupação da sua propriedade, e, mesmo estes
últimos, logo que provada a real pertença da propriedade, imediatamente se
conformam à sua nova realidade e se apressam, por meio de mil e um pedidos de
desculpas e gestos de embaraço, a fazer as malas. Mais tarde se saberá o motivo
para a vigorosa cooperação do casal - estavam ambos ilegais no país.
Tudo
ocorre, portanto, nessa, que ainda é esta, América pós 11 de Setembro. Uma
América onde as contradições (hipocrisias!) da globalização se tornam ainda
mais flagrantes, onde ainda se insiste na retórica das vantagens da abertura
das economias dos países em desenvolvimento mas onde os imigrantes oriundos
desses mesmos países “em desenvolvimento” encontram cada vez mais as portas
fechadas para a realização das suas justificadas expectativas. Uma América
constitucionalmente suspensa no que toca a estes estrangeiros, nomeadamente os
que não são atestadamente ocidentais.
É
sob este delicado contexto que Walter Vale acolhe na sua casa esse casal de
estranhos depois de que estes se preparavam para partir. Não o fez por sobranceira
comiseração ou piedade orgulhosa. De alguma forma Walter sabia que esse seu
gesto enunciava já aquela ansiada rutura radical com a vida que escolhera até
aí.
É
com Tarek que o professor começa a aprender djembê. É uma aprendizagem profunda
que, no seu paulatino desenvolvimento, o faz comungar com todos aqueles negros e outros
árabes do Central Park a tocar para um público ocasional e inteiramente
gratuito. É uma formação que o liberta, que tem por efeito o estalar do frágil
verniz de uma existência cuidadosamente maquilhada, mas espetacularmente falsa.
Entretanto,
depois do sírio lhe ter oferecido um djembê, Tarek é detido no metro. Tudo não
passou de um infeliz incidente, tornado verosímil pela conjuntura
xenofobicamente opressora do pós 11/10. De repente, depois dessa catástrofe,
passou a ser permitida a detenção arbitrária de todo e qualquer imigrante (nomeadamente, o não caucasiano) que,
assim, se descobriram elevados à categoria universal de suspeitos.
Walter
não apenas se revolta com esta situação, sabendo da inocência de Tarek e da sua
generosidade natural, como, inclusive, se voluntaria para acompanhar todo o
processo, pagando um advogado e servindo de intermediário entre este, a namorada do jovem muçulmano e, mais tarde, a mãe de Tarek. Já que ambas não o podem visitar no
centro de detenção pelo facto de estarem, igualmente, ilegais no país.
Mouna,
a mãe do sírio, é uma mulher pujante, de carácter notável, que é forçada a
regressar de Michigan após ter tentado contactar o seu filho durante três dias
seguidos, e, pela qual, Walter rapidamente se enamora. Fugira de Síria, levando
o seu filho, precisamente por motivos de perseguição política (que conduziram à
morte na prisão do seu ex-marido, um ativo jornalista) e, agora, no “país da
liberdade”, vê-se confrontada com a mesma realidade, desta feita, com o bem-estar
do seu filho posto em causa.
Apesar
dos esforços do economista e de Mouna, não conseguem evitar a deportação de
Tarek. Que, aliás, Walter só toma conhecimento no próprio dia em que Tarek fora,
sem aviso e com todo o expediente, deportado. Esse tratamento revolta Vale que,
relevando a sua impotência contra esse estado de coisas, exterioriza a sua cólera,
já impossível de ser contida, contra dois funcionários negros impávidos e
serenos do lado de lá do guiché de informações do centro de detenção.
É
com amargura que este se despede de Mouna, que não mais pode continuar nos
Estados Unidos sabendo que o seu filho já está na Síria. Ambos sabem da elevada
improbabilidade de se tornarem a ver e, consequentemente, de realizarem as suas
existências incompletas por via de uma pedagogia de sucessiva abertura ao outro; não o outro fantasmático ou o outro que, implacavelmente estereotipado, não passa do mesmo, mas o outro concreto, incarnado, o outro outro.
O
filme termina com Walter a tocar vigorosamente djembê num banco na estação do
metro. De camisa branca desfraldada, sem gravata, rodeado por dois negros, o barulho
do metro no seu constante vai e vem, um homem branco, atravessando aquele
cenário, vagamente indiferente, apressado, empregando uma discreta gravata cinzenta,
barba bem aparada, um simples homem de negócios, talvez…
David Santos.
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