segunda-feira, 12 de novembro de 2012

The Visitor - um filme sobre ética da globalização



The Visitor (Thomas McCarthy, 2007) é um filme sobre ética da/na globalização. Uma ética que se desenvolve para além dos simples limites do cosmopolitismo, para além da tolerância ociosa e estéril, do baço verniz das convenções, de um multiculturalismo sem multiculturalidade, da hegemonização das formalidades em detrimento da pulsão da alteridade, para além da burocratização, esse universal mecânico, frouxo, não criador.
The Visitor narra a história de um professor universitário de economia que não se reconhece na sua profissão, nas suas habituais funções, no seu vivido quotidiano, naquelas que são as expetativas de vida para um norte-americano branco e viúvo, quarentão intelectual de economia. Em vão que Walter Vale tenta aprender piano – um dos únicos instrumentos musicais toleráveis para o seu “tipo”. Mas não espantará que, mais tarde, se revele um inato talento para o djembê.
A sua vida só principia a mudar quando, por ocasião da necessidade de apresentar em Nova Iorque um livro para o qual nem contribui (ainda que a verdadeira autora tenha tido a magnanimidade interessada de o colocar como coautor), Vale encontra o seu apartamento nesta cidade ocupado por um casal de estrangeiros. Um jovem sírio de nome Tarek e uma jovem oriunda de Senegal chamada Zainab. Alguém, um desconhecido Ivan e que saberia da sua prolongada ausência de Nova Iorque, teria alugado, sem o seu consentimento, o apartamento a este casal. Contrariando as expectativas do casal Tarek e Zainab, Vale demonstra grande transigência perante este cenário de grosseira ocupação da sua propriedade, e, mesmo estes últimos, logo que provada a real pertença da propriedade, imediatamente se conformam à sua nova realidade e se apressam, por meio de mil e um pedidos de desculpas e gestos de embaraço, a fazer as malas. Mais tarde se saberá o motivo para a vigorosa cooperação do casal - estavam ambos ilegais no país.
Tudo ocorre, portanto, nessa, que ainda é esta, América pós 11 de Setembro. Uma América onde as contradições (hipocrisias!) da globalização se tornam ainda mais flagrantes, onde ainda se insiste na retórica das vantagens da abertura das economias dos países em desenvolvimento mas onde os imigrantes oriundos desses mesmos países “em desenvolvimento” encontram cada vez mais as portas fechadas para a realização das suas justificadas expectativas. Uma América constitucionalmente suspensa no que toca a estes estrangeiros, nomeadamente os que não são atestadamente ocidentais.
É sob este delicado contexto que Walter Vale acolhe na sua casa esse casal de estranhos depois de que estes se preparavam para partir. Não o fez por sobranceira comiseração ou piedade orgulhosa. De alguma forma Walter sabia que esse seu gesto enunciava já aquela ansiada rutura radical com a vida que escolhera até aí. 
É com Tarek que o professor começa a aprender djembê. É uma aprendizagem profunda que, no seu paulatino desenvolvimento, o faz comungar com todos aqueles negros e outros árabes do Central Park a tocar para um público ocasional e inteiramente gratuito. É uma formação que o liberta, que tem por efeito o estalar do frágil verniz de uma existência cuidadosamente maquilhada, mas espetacularmente falsa.  
Entretanto, depois do sírio lhe ter oferecido um djembê, Tarek é detido no metro. Tudo não passou de um infeliz incidente, tornado verosímil pela conjuntura xenofobicamente opressora do pós 11/10. De repente, depois dessa catástrofe, passou a ser permitida a detenção arbitrária de todo e qualquer imigrante (nomeadamente, o não caucasiano) que, assim, se descobriram elevados à categoria universal de suspeitos.
Walter não apenas se revolta com esta situação, sabendo da inocência de Tarek e da sua generosidade natural, como, inclusive, se voluntaria para acompanhar todo o processo, pagando um advogado e servindo de intermediário entre este, a namorada do jovem muçulmano e, mais tarde, a mãe de Tarek. Já que ambas não o podem visitar no centro de detenção pelo facto de estarem, igualmente, ilegais no país.
Mouna, a mãe do sírio, é uma mulher pujante, de carácter notável, que é forçada a regressar de Michigan após ter tentado contactar o seu filho durante três dias seguidos, e, pela qual, Walter rapidamente se enamora. Fugira de Síria, levando o seu filho, precisamente por motivos de perseguição política (que conduziram à morte na prisão do seu ex-marido, um ativo jornalista) e, agora, no “país da liberdade”, vê-se confrontada com a mesma realidade, desta feita, com o bem-estar do seu filho posto em causa.
Apesar dos esforços do economista e de Mouna, não conseguem evitar a deportação de Tarek. Que, aliás, Walter só toma conhecimento no próprio dia em que Tarek fora, sem aviso e com todo o expediente, deportado. Esse tratamento revolta Vale que, relevando a sua impotência contra esse estado de coisas, exterioriza a sua cólera, já impossível de ser contida, contra dois funcionários negros impávidos e serenos do lado de lá do guiché de informações do centro de detenção.
É com amargura que este se despede de Mouna, que não mais pode continuar nos Estados Unidos sabendo que o seu filho já está na Síria. Ambos sabem da elevada improbabilidade de se tornarem a ver e, consequentemente, de realizarem as suas existências incompletas por via de uma pedagogia de sucessiva abertura ao outro; não o outro fantasmático ou o outro que, implacavelmente estereotipado, não passa do mesmo, mas o outro concreto, incarnado, o outro outro. 

O filme termina com Walter a tocar vigorosamente djembê num banco na estação do metro. De camisa branca desfraldada, sem gravata, rodeado por dois negros, o barulho do metro no seu constante vai e vem, um homem branco, atravessando aquele cenário, vagamente indiferente, apressado, empregando uma discreta gravata cinzenta, barba bem aparada, um simples homem de negócios, talvez…

David Santos.