"Devo dizer que se trata de uma situação francamente inquietante: parece que, por critérios que têm a ver com a ideia de que o país precisa de se desenvolver, a Filosofia tende a desaparecer dos currículos das universidades. Logo a Filosofia, essa disciplina que deveria surgir como a rainha das disciplinas, aquela que as deveria de certo modo organizar, estabelecendo os nexos, as transversalidades, as forças ocultas, os veios essenciais. Poderemos chegar a esta situação algo absurda ou caricatural de vermos alguém chegar a uma universidade e lhe virem dizer que, se quiser saber algo de Filosofia, deverá arranjar um professor particular, ou então procurar uma universidade privada, dessas cujo estatuto é por vezes nebuloso, e procuram encontrar motivos para atrair alunos. É verdade que, na tradição portuguesa, a Filosofia tem um estatuto pouco reconhecível . Somos mais gente de História, para quem o acto de pensar não tem um estatuto respeitável. Mas, de qualquer modo, a gente reconhece a importância do pensamento. Querem um exemplo algo trivial? Veja-se, no programa Um Contra Todos, o caso desse excelente apresentador que é José Carlos Malato. Ele fez Filosofia, e isso reconhece-se logo no modo de abordar os problemas e na forma como se aproxima dos candidatos. É uma visão de conjunto, capaz de integrar a extraordinária variedade das questões e até a fragilidade ou a força de alguns candidatos.O que se passa neste momento, e que tem suscitado as reacções indignadas daqueles que se interessam por estas coisas, com reuniões, debates, intervenções públicas, mesas-redondas, é que o Ministério da Educação parece considerar que a Filosofia não deve ter lugar no ensino, pela simples razão de que não tem alunos suficientes. Sejamos objectivos: pelas razões já apontadas, é claro que não tem. Talvez seja frequentada por meia dúzia de pessoas no máximo do seu auge. Mas a verdade é que é preciso distinguir duas coisas: ou encaramos os problemas segundo uma perspectiva meramente economicista (o que, infelizmente, acontece com demasiada frequência no âmbito do Partido Socialista), ou então tem de se ter em conta a própria lógica do sistema universitário, onde é difícil imaginar a ausência da Filosofia. Donde, o que se está a verificar é francamente perturbante. Para onde estamos a ir? Para que tipo de sociedade nos encaminhamos? Tenho grandes dúvidas em relação a todo este processo. Basta de querermos ser apenas eficazes, temos de perceber que as coisas têm a sua especificidade e não vale a pena estar a escamoteá-lo. Uma escola não pode ser apenas uma máquina produtiva, tem de estar ligada a uma visão do mundo, e, se essa visão do mundo é de esquerda, tem de assumir aquilo que essa esquerda tem como tradição. A ideia de que a Filosofia tem um papel fundamental não é recente, vem muito de trás, provavelmente do romantismo alemão e de alguns nomes essenciais como Schlegel ou Hölderlin. É verdade que, na sua essência, o problema da Filosofia não tem orientação ideológica particular. É uma realidade que se impõe aos olhos de todos e que deveria ser considerada por todos."
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