terça-feira, 18 de setembro de 2007

O ensino da filosofia. Por Rui Pedroto

Um semanário noticiava há poucos dias que várias licenciaturas do ensino superior, incluindo a própria licenciatura em Filosofia, iriam ficar impedidas de exigir o exame a esta disciplina como prova de acesso aos seus cursos, devendo optar por exames de outras matérias como a História, Português ou Geografia.Das 357 licenciaturas que exigiam a Filosofia como prova de acesso, todas vão ficar privadas de o fazer por decisão do Ministério da Educação através da Comissão Nacional de Acesso ao Ensino Superior.De há muito que a política educativa em Portugal navega num mar tormentoso a bordo de uma nau sem rumo definido.Subliminarmente, porém, a anafada burocracia do Ministério da Educação, em que nenhum governante parece ter mão, lá vai impondo, ao melhor estilo do moderno “eduquês”, sucessivas reformas e contra-reformas, doses maciças de didáctica e pedagogia e um imparável resvalo para a chinela da tecnocracia.Não tarda e a formação filosófica deixará de fazer parte dos curricula do ensino secundário, quando no ensino superior o número de cursos e de estudantes tem vindo a declinar irreversivelmente.A Filosofia como saber autónomo corre assim o risco de desaparecer do panteão do conhecimento, quer na sua componente formativa geral enquanto disciplina do secundário, quer mesmo enquanto ramo autónomo de formação superior, e os seus cultores remetidos ao estatuto de um escol bizarro e minoritário, que na verdade já o vem sendo na representação social que dele faz o vulgo, e, ao que parece também, alguns dos mais altos comandos da nação.A Portugal tem faltado um modelo educativo coerente e consistente.A educação de outros tempos privilegiava muitas vezes a memorização acrítica dos conhecimentos, considerava a didáctica e a pedagogia artes menores, estabelecia, ainda que só implicitamente, uma rígida hierarquização dos saberes, distinguindo claramente, através da segregação do ensino técnico-profissional, o saber-fazer de vocação mais profissionalizante da preparação mais geral e teorética do ensino secundário tradicional, antecâmara do acesso à universidade.Esse modelo convinha ao espírito obscurantista e elitista da época que olhava de soslaio o questionamento crítico e prolongava no sistema de ensino o imobilismo social do regime, reproduzindo-o e fortalecendo-o.Apesar dos seus múltiplos defeitos essa escola que as gerações com mais de 40 anos ainda conheceram era disciplinadora e exigente, rigorosa na preparação e na progressão dos alunos, cumprindo assim com razoável eficácia o seu principal papel social, o de ensinar e aprender.A escola actual tem vindo a claudicar naquilo que é a sua função primária.A massificação do ensino em todos os graus, sem dúvida desejável e imperiosa face aos preocupantes níveis de analfabetismo e iliteracia, não foi capaz de preservar a qualidade e o rigor.Redundou na facilitação e no nivelamento por baixo, deixou de imperar a disciplina e o respeito pela hierarquia escolar – não a disciplina imposta pelo medo das represálias ou um timorato temor reverencial, mas a disciplina indispensável à aquisição metódica e esforçada de todo o saber.O ensino técnico-profissional, agora em vias de reabilitação, sofreu um rude golpe, gerando fortes desequilíbrios na estrutura do emprego.A docência perdeu prestígio social e o seu magistério atraiu muitos profissionais sem vocação, que as dificuldades do mercado de trabalho e a facilidade de acesso ao emprego público propiciaram.Pede-se hoje ainda aos docentes que, além de educadores e pedagogos, pois ensinar é antes de mais deter sólidos conhecimentos sobre as matérias lectivas e transmiti-los eficazmente, que sejam psicólogos, educadores e assistentes sociais, forçados que se sentem em substituir muitas vezes a família na socialização e inclusão social do aluno, no combate ao abandono e ao insucesso escolar e outras maleitas do corpo social. Ficou e está por fazer um verdadeiro debate sobre o nosso modelo educativo, debate afinal sobre a filosofia da educação.Debatem-se as colocações e a mobilidade dos professores, o estatuto da carreira docente, o encerramento de escolas, a existência ou não de exames neste ou naquele ciclo, matérias que naturalmente importam à gestão do sistema de ensino, porém acessórias face ao debate essencial.O que deve ser a escola, que deve ensinar, que deve ser afinal educar, numa sociedade livre, plural, aberta e democrática.Aquilo que deveria ser uma discussão pública, aberta e participada e lançar os caboucos de um verdadeiro pacto de regime para a educação, é de modo sub-reptício decidido no silêncio dos gabinetes.O verdadeiro debate a empreender é se queremos uma escola funcionalizada e espartilhada, subjugada ao peso da “filosofia espontânea” do materialismo, da tecnocracia e do mais puro economicismo, ou se queremos uma escola que ensine cada um a pensar, a questionar e a questionar-se, a conhecer e a conhecer-se, a formar uma vontade livre e esclarecida, a optar entre o certo e o errado, entre o verdadeiro e o falso, a decidir em consciência o sentido da sua vida e o seu papel no país e no mundo.A morte da filosofia bem pode ser o prenúncio da morte do espírito.No universo das ciências todas são mais úteis, nenhuma porém é mais importante que a Filosofia.Aristóteles tinha razão.

in O primeiro de Janeiro

3 comentários:

castus disse...

pode-se votar em todas as opções?

Anónimo disse...

nao

Anónimo disse...

Olá Colegas,
Creio que o debate também pode passar pelo ponto que resumidamente vos exponho: é possível ter uma escola economicista, preocupada com os seus recursos materiais e ao mesmo tempo exigente em termos de saber e conhecimento científico. Vou um pouco mais longe: uma visão mais ilustrada do problema permite-nos constatar que só é possível ter uma escola rica em termos materiais se o produto dele for igualmente rico. E o produto de uma escola é, antes de tudo, formação e conhecimento. Uma formação que desbeneficia um corpo central de conhecimentos como a química, a música ou a filosofia é uma formação, como sabemos, coxa. as vistas curtas dos sucessivos Ministérios da Educação consistem precisamente em retirar protagonismo a disciplinas como a física ou a química, porque as consideram dificeis, para ensinar alhos e bugalhos como Área de Projecto, Áreas de Integração e sociologia de pacotilha bem como psicologia para atrasados mentais. Este é o autismo do sistema educativo luso. Os nossos agentes educativos ainda vivem em cima das árvores. São primários e primatas. Comentem o mais elementar dos erros, que é pensar que o que é dificil não deve ser ensinado, quando o que deve ser ensinado é precisamente o mais difícil e não o mais fácil. Os mais recentes investimentos em matéria educativa passam por este festival de folclore. Isto sim é ideologia que deve ser combatida. Os professores precisam de ser esclarecidos destes factos, por vezes invísiveis, por falta de formação das pessoas, como muito bem apontam no vosso texto.
De resto, o meu apontamento, serve somente para justificar que, ao contrário do que entendi na vossa afirmação, o saber dá muito mais dinheiro do que possamos pensar.
Abraço e parabéns pelo Blog e pelo conteúdo.
http://rolandoa.blogs.sapo.pt/
Abraço
Rolando Almeida