sábado, 25 de maio de 2013

A ruptura do novo testamento e a dialéctica entre fé e razão





Sabemos dos padres da igreja a importância da dialéctica credo ut intelligam/ intelligo ut credam, i. e, crer para poder compreender e compreender para crer,  como chave hermenêutica crucial para a compreensão da “essência do cristianismo”. E não obstante as contribuições dos doutores neste sentido, com Agostinho de Hipona, Anselmo de Cantuária (na origem da primeira proposição) e Pedro Abelardo (na complementaridade da segunda), tentaremos esboçar uma outra hipótese, ou leitura, no sentido de também compreendermos, a montante, a justificação para o carácter terminante, na crença cristã, da inseparabilidade fundamental e dialogante entre fé e razão, fide et ratio. Para isso basearemos os nossos argumentos nas próprias sagradas escrituras, particularmente, nas primeiras páginas do Evangelho de São Mateus, e sem prejuízo da nossa ignorância nas lides teológicas.
Assim, antes de tudo mais, teremos de estar a par da ruptura radical entre o antigo e o novo testamento introduzida pelo nazareno. Não que este recuse dialogar com as leis e com os profetas do AT, bem pelo contrário, é precisamente dialogando com estes que Jesus vai revelando o que traz de infinitamente novo com a sua mensagem. Assim diz: “Ouviste o que foi dito: Olho por olho, dente por dente. Eu porém digo-vos: não oponhais resistência ao mau. Mas, se alguém te bater na face direita, oferece-lhe também a outra.” E continua: “Ouviste o que foi dito: Amarás o teu próximo e odiarás o teu inimigo. Eu, porém, digo-vos: Amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem”. E concluímos: “Na verdade, veio João [Baptista], que não come nem bebe, e dizem dele: ‘Está possesso!’ Veio o Filho do Homem, que come e bebe, e dizem: ‘ Aí está um glutão e um bebedor de vinho, amigo de cobradores de impostos e pecadores!’ Mas a sabedoria foi justificada pelas suas próprias obras”.
A consciência do significado profundo da sua ruptura com a tradição judaica (com a outra “geração”, como Cristo lhe chega a referir-se) é tal que este não pode deixar de alertar os seus discípulos sobre a sua radicalidade, nomeadamente, com a eloquente síntese: “Não penseis que vim trazer a paz à terra; não vim trazer a paz, mas a espada”. Interpretando nós a espada como símbolo dessa cisão fundamental que a sua mensagem acarreta face ao AT, à tradição.
Ora, onde é que esta consciência da cisão radical do NT (protagonizado pela figura de Jesus Cristo) por oposição ao AT (alicerçada nas Leis e nos Profetas) imbrica com o significado fundamental da relação capital entre fé e razão na mensagem cristã? Precisamente na nova inteligência com que o nazareno vem dotar a tradição (e, em certos momentos/diálogos, com a violência da fractura com esta) e na crença de que ele (Cristo) não é um falso profeta mas o próprio Messias que vem anunciar o reino do céus e redimir os nossos pecados. Quer dizer, Cristo, com a sua vinda, vem introduzir nos homens o fardo da própria exigência da no sentido do acreditar (ou não!) que essa nova inteligência (que funda uma outra ética) não é uma fraude destinada a corromper os homens do caminho para a salvação, mas a derradeira mensagem para a salvação. O cristianismo é uma religião de exigência (lembrando aqui, p. ex., um Kierkegaard), antes de submissão incondicional ao dogma e às autoridades seculares, porque, e outra vez Jesus: "Eu digo-vos que aqui está quem é maior que o templo".

David Santos.

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