Júlio Dantas nasceu no
conselho de Lagos em 1876, desempenhou diversas funções ao longo dos seus 86
anos, tais como: médico, político, diplomata e escritor. Nesta última
atividade, damos destaque à sua vasta poligrafia que se estende desde a poesia
até ao jornalismo, no entanto foi o teatro que lhe granjeou mais fama, sendo a
peça A Ceia dos Cardeais (1902) a mais conhecida. Ainda dentro desta
ocupação, Dantas foi eleito sócio da Academia de Ciências de Lisboa (1908). Era
considerado retrógrado por alguns intelectuais da época, como Almada Negreiros
que o expõe ao ridículo com o Manifesto
Anti-Dantas. Júlio Dantas veio a falecer em Lisboa em 1962.
Lançou a sua carreira
como jornalista no jornal Novidades
em 1893. De entre as suas melhores obras constam Paços de Vieiros (1903) e Reposteiro
Verde (1921) de pendor claramente naturalista[1];
contudo nas suas peças teatrais segue uma tendência que se situa entre
romantismo[2] e
o parnasianismo[3];
já nas novelas tem por preferência temas históricos. De uma forma planetária,
defende nas suas obras o culto do heroísmo, da elegância e do amor, situando a
trama das suas obras de forma quase incontornável no século XVIII, para
demonstrar o degenerar da aristocracia dessa época. Outras temáticas que estão
igualmente presentes nas suas obras são a exaltação do efémero, da morte e do
sentimentalismo lancinante. O seu trabalho poético é nitidamente inspirado na
lírica palaciana de Garcia de Resende presente no Cancioneiro Geral.
Além das obras já
mencionadas, denominamos ainda algumas outras tais como: Nada (1896) e Sonetos (1916),
na poesia; no teatro O Que Morreu de Amor
(1899), Viriato Trágico (1900) e A Severa (1901)[4] ;
na prosa temos Outros Tempos (1909), Pátria Portuguesa (1914) e Marcha Triunfal (1954), finalizando com
as traduções Rei Lear (William
Shakespeare), Cyrano de Bergerac (Edmond
Rostand) e O Azougue (Paul Saumière).
A obra que hoje vai
servir de análise é a peça teatral 1023
escrita em verso que foi representada pela primeira vez, em março de 1914, no
teatro a República, em Lisboa. Que conta com a interação entre cinco
personagens (um cauteleiro, um carteiro, um sujeito que lê, uma bonne e uma criança); destas, o
cauteleiro e o carteiro desempenham o papel principal. Decorrendo a ação num
jardim público em Lisboa.
A história entre estas
duas personagens principais começa quando o cauteleiro pergunta afetuosamente
ao ti’ Romão (carteiro) se quer uma cautela. Sendo que o dialogo que se
estabelece entre eles se centra no motivo pelo qual o cauteleiro deixou a sua
profissão de carteiro. O motivo apresentado pelo cauteleiro foi uma mulher, de
seu nome Rosa, uma engomadeira (airosa, de pele formosa, que vivia com o irmão
que ainda era pequeno, pobre e alegre) que a cada oito dias recebia uma carta
provinda do Rio, no Brasil, provavelmente de amores.
O cauteleiro revela que
até chegou a pregar uma travessura à rapariga, dizendo- -lhe que ainda não tinha chegado a carta,
temendo que ela desmaiasse entregou-lhe a carta deixando-a em êxtase. Porém, um
dia, a carta não chegou, o que lhe passou pela cabeça foi o de dar uma mentira
piedosa à rapariga que seria a chegada atrasada da embarcação Avon que trazia as cartas. Passados 15
dias o então carteiro começa a estranhar a ausência da pequena engomadeira;
perguntou a uma das vizinhas o que era feito da Rosa, ao que uma vizinha lhe
responde que Rosa se encontrava doente; o carteiro vai-se embora para finalizar
a sua distribuição. Só passadas duas semanas, após este episódio, é que volta a
receber a carta provinda do Rio, numa quarta-feira, o deixou o carteiro feliz
como se fosse levar a salvação, melhor, a vida à Rosinha. Mas quando chegou à
morada, ela não estava lá para lhe abrir a porta, voltou a ir perguntar às
vizinhas do piso inferior o que era feito da engomadeira; as vizinhas
responderam que a Rosinha tinha morrido de desgosto por causa de o namorado a
ter deixado, de que havia boatos de que ela o andava a trair. O carteiro foi
cumprir a sua missão de levar a última carta à última morada da sua
destinatária, no cemitério dos prazeres. Chegado à campa, abriu a carta e leu o
seu conteúdo, que era o seguinte: um pedido de desculpa por ter acreditado num
falso boato de que ela lhe era infiel e de que vinha a Portugal para se casar
com a amada. Terminada a leitura, o carteiro num gesto simbólico deixa a carta
em cima da campa junto ao coração. Um par de horas depois, pede a demissão.
E foi por esta razão
que veio para cauteleiro, para vender a sorte, mas à seis meses que não a
vendia, até ao presente dia em que o carteiro lhe compra o número da sorte,
contudo a emoção de ter ganho foi tão avassaladora que o carteiro Romão acaba
por se finar, o que deixa o cauteleiro em choque, os transeuntes convergem para
o local por mera curiosidade. Terminando a peça com a frase do cauteleiro de
que era a primeira vez que entregava a sorte grande.
Concluindo, o episódio
que aqui descrevemos aparentemente dá grande importância às coisas simples e
banais da nossa vida: como o amor, a sorte, a tristeza e a alegria; mas não são
estas banalidades as coisas mais importantes da nossa vida? Na analepse narrada
pelo cauteleiro demarca-se um certo amor platónico pela Rosinha, mas este tipo
de amor também não é comum a todos nós? Mas antes disto, o que é o amor
platónico?
Bibliografia:
Azevedo, S. &
Guimarães, F. (1999), “PARNASIANISMO” in AAVV,
Biblos: Enciclopédia Verbo das Literaturas de Língua Portuguesa vol. III,
Lisboa: Editora Verbo, p.p. 1411-1418.
Baptista, T. (2008), A Invenção do Cinema Português, Lisboa:
Tinta-da-China, p.p. 32-35.
Brayner, S. & Reis,
C. (1999), “NATURALISMO” in AAVV, Biblos: Enciclopédia Verbo das Literaturas
de Língua Portuguesa vol. III, Lisboa: Editora Verbo, p.p. 1045-1053.
Chorão, J. (1997),
“DANTAS (Júlio)” in AAVV, Biblos: Enciclopédia Verbo das Literaturas
de Língua Portuguesa vol. II, Lisboa: Editora Verbo, p.p. 5-6.
Monteiro, O. &
Ribeiro, M. (2001), “ROMANTISMO” in AAVV , Biblos: Enci-clopédia Verbo das Literaturas de Língua Portuguesa vol.
IV, Lisboa: Editora Verbo, p.p. 963-986.
Ribeiro, F. (1983), Filmes, Figuras e Factos da História do
Cinema Português: 1896-1949, Lisboa: Cinemateca Portuguesa, p.p. 279-292.
S. a., Júlio Dantas, s. d. , retirado de: http://pt.wikipedia.org/wiki/J%C3%BAlio_Dantas
em 17 de Abril de 2013.
[1]
Corrente anti-idealista e
anti-romântica que se situa em princípios dos anos 60 do século XIX, com uma
função crítica e reformista seguindo uma matriz positivista muito centrada que
acredita que as leis naturais comandam os comportamentos humanos e a sociedade,
e que tem como fundamento o determinismo da hereditariedade, do meio e da
educação. Cabe, então, ao autor o estudo do meio, das ideias que circulam nesse
espaço geográfico, a hereditariedade, etc. (Brayner
& Reis, 1999).
[2]Esta corrente foi introduzida na
cultura europeia no princípio do século XVIII e que perdura até praticamente ao
seu final. Desenvolve como temática o espírito humano (a disposição dionisíaca
que coabita com a imaginação e a sensibilidade que predominam sobre a razão) em
que o disforme da exposição estética tem como contrapeso o classicismo. Sendo
fortemente influenciada pelo contexto sociocultural, que se estendeu a diversas
áreas tais como: filosofia, arte e literatura. Em que o autor segue uma
filosofia espiritualista do «eu» (auto-afirmação, exaltação sentimental,
religiosidade vaga, o desconsolo e a frustração), que é alimentada pela agrura
da condição humana, a tensão entre a futilidade e crueldade social com a índole
de liberdade que só podem ser preenchidas no sonho ou na morte, a qual
possibilita ao autor pluridividido recuperar a sua unicidade já despojado das
máscaras sociais (Monteiro & Ribeiro, 2001).
[3] Corrente literária presente a
partir do século XIX como uma reação ao romantismo. Tendo como caracter a
beleza formal, os temas exóticos e pictóricos servidos numa poesia ou narrativa
de forma descritiva (Azevedo & Guimarães, 1999).
[4]
A título de curiosidade, foi a sua obra teatral A Severa, de Júlio Dantas, que
inspirou o realizador José Leitão de Barros a produzir o primeiro fonofilme
português, em 1931, exatamente com o mesmo título (Baptista, 2008 & Ribeiro,
1983).
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