Tem-se discutido muito, mais intensamente desde há um ano para cá, sobre as alternativas à governança não só deste governo, como da UE, como extensivamente, das tendências hegemónicas de uma forma de globalização que se pretende cada vez mais "unilateralizada" - nomeadamente, por meio da liberalização/abertura das economias mundiais, da desregulação dos mercados financeiros, do domínio tácito do pensamento económico das vantagens comparativas, do processo de "desdemocratização" por imperativos da competição global...
A emergência na esfera pública da discussão sobre as alternativas, mais que deve, só pode ser contemplada como uma forma de resistência a esta tendência que o actual governo, mais troikista do que a troika, cumpre com zelo e acelera. Mas, não nos deve falhar a consciência, de que os princípios e os instrumentos fundamentais, em matéria tanto política quanto económica, já estão aí. Tanto da dextra como para a canhota, os princípios basilares das grandes opções políticas há muito que vêm sendo trabalhados ao longo da história, e culminam, sem ser de todo exaustivo, no pensamento de autores como Karl Marx, John Rawls e Robert Nozick. Acreditando que toda a nova proposta de organização das sociedades humanas (e o pensamento derivado da tradição ecológica, neste sentido, tem para mim um sentido promissor muito forte), terá sempre de revisitar um ou dois ou todos estes autores, ou, pelo menos, o seu legado cultural, que, de forma mais ou menos consciente, se introduziu na nossa massa genética e faz parte do nosso património civilizacional. Antecipando apenas que, de facto, hoje, não estamos de todo a discutir princípios, ou, melhor, estes princípios estão a ser discutidos em circuitos sem a força coerciva daqueles que visam aplicá-los sem discussão - creio que é preciso denunciar bem alto este fenómeno, que, nesse aspecto, não é originalidade da magistratura do governo de agora, faz parte mesma da essência política, da concepção weberiana do Estado enquanto monopólio da violência.
Da mesma forma, ao nível das instituições, as sociedades ocidentais estão igualmente avançadíssimas. Na tradição do ditame clássico dos "checks and balances", o ocidente não apenas tem colocado freios a si mesmo (necessidade iminente para leituras antropológicas "negras" como as que percepcionam o homem como lobo do homem), como, arrisco, tem substituído sucessivamente a defesa de uma ética do exclusivo interesse próprio (propícia a todo o tipo de corrupção) pela defesa de valores extra-pessoais/comunitários - particularmente, no funcionalismo público, com a consciencialização da "classe", da sua função basilar enquanto alicerce do Estado moderno.
Acreditando na moldura aqui traçada, fica a pergunta: e, se é assim, o que nos está então a falhar, tendo em conta que princípios e instrumentos estão à mão da nossa mão?
Não ambicionando ser conclusivo, enfatizo, uma outra vez, a necessidade de lutar pela re-democratização dos Estados-nação e a democratização das instituições supranacionais, acrescentando apenas, o aprofundamento da territorialização. Isto é, o arranjo a todos os níveis - político, cultural, ecológico, económico... - de economias participativas, baseadas no trabalho dos recursos endógenos e na deliberação colectiva. Não esquecendo claro, que problemas globais requerem soluções globais, e que a força política da troika pode ser deduzida do facto de passar à margem do escrutínio popular e na negação coerciva do ampliamento da esfera pública transnacional, o que, friso, tem sido uma boleia muito bem aproveitada pelo governo de Passos Coelho. Concluindo, mais do que revisitar as soluções alternativas é preciso forçar a institucionalização dos espaços em que estas possam, pelo menos, ser discutidas para além do seio "marginal" da sociedade civil e do seu voluntarismo notável.
David Santos.
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