Agora anda em voga o argumento, que procura restaurar um
mínimo de credibilidade a este governo pela hora da morte, que justifica a
impopularidade deste pelo facto de tomar medidas anti-populistas, mas que,
friso, tomam por absolutamente necessárias à resolução de dados problemas
estruturais de Portugal, e que, enfim, apesar da sua impopularidade
intencionam, no médio longo prazo, a restauração da saúde e bem-estar desta
mesma população. Segundo este pensamento estamos portanto a passar por uma
espécie de ritual colectivo de purificação (e tão doloroso que é!) que se
legitima, paradoxalmente, pela promessa de um outro futuro desenvencilhado do
peso da “queda”. Com um povo leviano e piegas que viveu a última década acima
das suas possibilidades, uma elite política que só pensa em agradar aos seus
eleitores esquecendo-se depois de que tem de pagar a factura da sua hybris, e por aí
adiante.
Ora, a impopularidade deste governo não resulta do facto de
tomar medidas anti-populistas que o corrente funcionamento da democracia representativa
não permite em tempos “normais” – só em tempos de excepção como o que hoje
vivemos com a governança paralela da troika. A impopularidade deste governo
advém, ao pé da letra, da insistência dos seus representantes em cumprirem um
programa que não é mobilizador em termos populares e que só é possível com uma
agenda de alienamento dos cidadãos da participação na coisa pública. É este o
nó górdio do famoso fosso entre governantes e governados.
A impopularidade deste governo não deriva do facto de ousar
fazer cumprir medidas não populares mas que são, dentro da sua lógica, cruciais
à restauração da credibilidade socioeconómica do país. Este governo é
impopular, pelo contrário, porque falha a percepção popular da justiça social
das suas medidas, e, para além do mais, não se vislumbram os resultados que
estas prometiam - pelo contrário, há até uma regressão substancial em relação
ao estado de coisas que prometiam remediar.
Em democracia não deve haver governos impopulares, as
reformas a realizar devem ser trabalhadas num quadro em que se perceba a
racionalidade democrática destas e o seu sentido de justiça – que, seguindo um
liberalista político como John Rawls, é o valor por excelência da política. E
só assim poderemos progredir em todos os âmbitos da realidade social sem
deixarmos congelada a democracia em nome da saúde pública e do bem comum.
David Santos.
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