segunda-feira, 30 de março de 2009

"O Muro"- Jean-Paul Sartre


Sem nada para fazer, de modo totalmente arbitrário, pus-me a ler a novela “ O Muro” de Jean-Paul Sartre. Novela esta, presente numa ousada compilação de novelas intitulada “5 Obras-Primas da Novela Contemporânea”, que, a par de Sartre revelam os talentos novelísticos de autores como Thomas Mann, John Steinbeck, Panait Istrati e D.H. Lawrence, e isto tudo, numa 2ª edição de 1964 pela velha, Portugália Editora.
Como sugere o próprio título à algo que constrange Steinbock, Ibbieta e Mirbal. Um muro ao qual nenhum dos três está preparado a enfrentar, um muro que não sendo somente um muro é a base substancial da compreensão do que é a vida, melhor, do que é a vida sempre sob a intransigência do muro, isto é, da morte.
Tom Steinbock, Pablo Ibbieta e Juan Mirbal, por suspeitas de agressão contra os falangistas, estão detidos na cave de um hospital semi-destruído pela guerra civil, a 24 horas de serem fuzilados. Por vontade do comandante, um médico belga é incumbido de passar a noite com os prisioneiros, com o intento de registar num bloco de notas o comportamento dos encarcerados. Têm direito a um padre, a quem pretenda por uma última vez ajustar contas com o divino, mas a resposta dos três ao comandante é consentida por um frio silêncio. Deus não serve! Juan, o mais novo entre os prisioneiros, chora, grita e treme desoladamente, sabe o que lhe vai suceder mas não sabe ainda como reagir a esse facto – como se à morte houvesse reacção possível! Tom, o irlandês, sem erguer as mãos para cima, contempla os objectos à sua volta; o banco em que está sentado, ao canto o amontoado sujo de carvão, o pequeno buraco do lado esquerdo do tecto, os seus próprios companheiros, enfim, coisas que agora Tom sente como ausentes de qualquer sentido. Por último, Pablo, sem mais em que pensar, reavalia toda a sua vida e repara sem não com um triste pesar, que esta não passara de “um todo o tempo a abrir caminhos para a eternidade sem atingir coisa alguma”, uma “grande ilusão”, um fardo que ainda que pesado deixa de ter qualquer peso só pela momentânea – forçada ou não pela contingência - consciência da sua vanidade, apreendida numa situação-limite ou num pensamento mais aplicado. A amante Concha, à qual “ainda na véspera cortaria um braço para a tornar a ver durante cinco minutos”, “aqueles dois sujeitos agaloados, com seus chicotes e botas altas”, o “bigode do falangista”, o “rato debaixo dos seus pés”, enfim, tudo coisas agora sem qualquer importância face a alguém que vai morrer. Nem mesmo a “causa”, a grande causa Espanha, pela qual lutou, pela qual fugiu e pela qual aguarda agora o seu julgamento, o fazem despertar da vigília mais atroz: o não-sentido da vida, sem “causas” para lutar nem objectos para se apegar, apenas um muro e, nada mais.
O riso inevitavelmente acaba por ser a chave desta novela em formato “tragédia absurda”, e talvez subintitular assim este drama - tragédia absurda - possa parecer um pouco ousado devido ao paradoxo que esta designação intrinsecamente acarreta. Uma tragédia embora represente um gradual esvaimento de sentido devido a precisas situações à qual os protagonistas reagem de certa maneira, à qual escolhem, - a demais das vezes sem que suas escolhas reflictam o estado geral da situação, mas a sua própria situação -, ainda assim, mesmo dentro de uma tragédia as coisas acontecem e os heróis fazem-se consoante o seu plano, projectam-se e dão-se, conforme o seu entendimento face às coisas, e estabelecem aí o seu contacto con-sentido com estas. Mas o absurdo é a perda total de qualquer contacto com as coisas, é a negação substancial ao apelo do ente, e a persistência neste estado (reflectido na angústia), só pode ter por paralelo o choro (atente-se à tragédia shakespeariana “Hamlet”) ou o riso, que é o que sucede com Pablo Ibbieta nesta novela, que, se já se ria ao colocar a sua vida na balança, no acto desesperado de saber se valeu ou não a pena, não se apercebe que a vida é sempre o que é, na ampla rudeza do termo é, que não permiti outro predicado senão, ser, sem mais nem menos. Nesta nova consciência, podemos alcançar a nietzschiana "criança que brinca" que se ri e cria ao seu bel-prazer sem que lhe interessem os motivos transcendentes, a moral, a ciência, a polícia, os rituais, a missa ao Domingo, as namoradas e os namorados, o olhar inquisidor do pai, enfim, todas essas coisas que gostamos de tornar sagradas e prestar o devido culto, mas que, senão morrermos nós primeiro, morrerão elas, e o que resta afinal, é o nada. O riso é senão uma forma transcendente de reagirmos contra esse nada, presente apenas em raras e subtis consciências.
A obra colmata com a seguinte paródia de Ibbieta: “Tudo rodopiou à minha volta e achei-me sentado no chão: ria tanto que me vieram lágrimas aos olhos”. Pablo Ibbieta não fora condenado porque, ainda que lavando as suas mãos fronte ao seu destino, fora o próprio destino que se encarregara de o salvar do sibilar das balas. Tudo aquilo, ao fim ao cabo, fora inútil, as suas reflexões sobre a sua vida, o interrogatório dos oficiais, o rato por entre os seus pés, a sua prisão impulsionada pela "causa", ele mesmo - enquanto protagonista da sua própria tragédia - tornara-se inútil e tinha plena consciência disso. Afinal, o muro abrira-se sem o mínimo empenho do seu martelo...

quinta-feira, 26 de março de 2009

Homem, animal e monstro

O telejornal está para os homens, assim como a National Geographic está para os restantes animais. O repórter limita-se a escolher a sua "presa" consoante as necessidades, enfim, - os "fetiches" do seu público -, recolher os dados respectivos ao seu comportamento, - ao comportamento da "presa" – e, após, consoante os dados que recolhera, sintetizá-los, para que o impacto da sua pesquisa suscite a máxima reacção no público-alvo.
Se de um lado, temos chitas a perseguirem gazelas, ou leões a correrem bravamente atrás de zebras, do outro lado, as perseguições de carros – muito em voga nos Estados Unidos -, satisfazem os que, possuindo uma costela mais radical, carecem de grandes doses de adrenalina para combaterem as suas crises emocionais. Se de um lado, temos abelhas zângãos que servem somente para que a colmeia subsista pela fecundação da rainha, e depois do acto consumado, logo tornam-se perfeitamente prescindíveis. Temos também as abelhas operárias, que fecham as "portas" das suas colmeias aos machos, assim que, a época de recolha do mel cesse e seja necessário proceder a uma racionalização dos alimentos. Enfim, tal como acontece nas sociedades capitalistas, fecunda-se até à esquizofrenia essa musa chamado “mercado”, até que ela não resista mais e só subsistam os operários, que neste caso são os homens que souberam operar devidamente nessa situação, cooperando ajuizadamente com a hipocrisia, a ganância, e a exploração até ao limite pornográfico, - as chamadas, "leis do mercado".
Se tanto nos relatos da realidade humana (no Telejornal) como nos relatos da realidade não-humana/animal (no National Geographic), conseguimos - e são prova disso as analogias em cima esboçadas - antever um certo padrão, uma certa base (primária) comportamental nas duas realidades; já num nível secundário, a compreensão do homem escapa a este exercício meramente reducionista de pendor quase que Darwiniano, e escapa precisamente, porque impossibilita, num outro grau, qualquer analogia com recentes casos como o de Josef Fritzl, que tendo a opinião pública certa relutância em chamar, caso humano, também não consegue encontrar semelhanças no caso animal, e dai resultar o predicado: Monstro. Predicado este, aquém dos limites daquilo que consideramos, ao nivel básico, os limites, - neste caso, éticos - do ser humano e, além dos seus limites, porque é com estes casos que adquirimos uma nova consciência daquilo que não sendo efectivamente parte integrante do ser humano - ou melhor, daquilo que julgávamos não ser parte integrante do ser humano - mas que pode ainda, a vir a ser, a construir-se, a constatar-se.

quarta-feira, 18 de março de 2009

Terça-Feira, 17 de Março, 2009, jornal: PÚBLICO

Antes de 03/03/09
















Depois de 03/03/09














CATÁSTROFE CULTURAL, a letras vermelhas e bem gordas, a crueza da manchete qualificava, mas, ainda assim, não dava conta da amplitude da tragédia implicada no desmoronamento do Arquivo Municipal de Colónia, a mais antiga cidade da Alemanha, que ancestralmente recolhia, por entre 27 quilómetros de prateleiras e prateleiras e mais prateleiras, éditos de Napoleão, cartas de Hegel, artigos de Marx, importantíssimos documentos medievais, quase todo o espólio literário do nobel Heinrich Böll, reticências, reticências, reticências.
As causas deste "acidente", dividem-se entre, eventuais erros por parte do município no processo de conservação do edifício e, as recentes obras com vista à ampliação do metro subterrâneo da cidade. Enfim, não há culpados...
Quantitativamente, o acervo estava calculado em 400 milhões de euros, mas, como referi, este cálculo refere-se apenas quantitativamente, mas, qualitativamente falando, com que tabelas se rege o valor da cultura, quais as implicações sociais/culturais/individuais causadas por esta perda, - que teria sido muito maior, não fosse a existência de um milhão de microfilmes aplicados às obras -, enfim, o que perdemos verdadeiramente e que conclusões podemos tirar desta: CATÁSTROFE CULTURAL?

terça-feira, 17 de março de 2009

Conferências IFP- "Sobre a ética de Lavelle"


Decorrerá no dia 18 de Março (amanhã), na sala dos conselhos do polo I, por volta das 17,30 h, uma conferência proferida por Américo Pereira (UCP) intitulada " Sobre a ética de Lavelle", mais informações no site: http://www.ifp.ubi.pt






quarta-feira, 11 de março de 2009

Sem título

Não era isto que eu queria da filosofia, que ela me conduzisse a este reino de perguntas e respostas prontas, sem mais nada, sem nenhum ganho. A este reino de perguntas prontas, porque faz parte da “condição humana” nausear-se infinitamente com as mesmas perguntas que desde os primórdios da humanidade foram feitas: Que sentido tem tudo isto? O que devo fazer? O que é a morte? Enfim, uma náusea.
É certo que hoje ninguém quer saber da filosofia, ela também não serve para nada, senão para meia dúzia de velhos do Restelo que insistem em não deixar largar as naus do desespero humano. “Conhece- te a ti mesmo”, “Não andes lá por fora”, enfim, embriaga-te com a única resposta filosófica possível: nada, silêncio, drama. Nunca vi personagens tão cómicas como os filósofos, é que eles não apenas representam como são mesmo tristes, estrebucham, dão murros na mesa, masturbam-se, enfim, uma comédia. Se deus existe e nos espreita lá do alto da montanha, toda a hora das suas inconcebíveis horas eternas, se deve desmanchar a rir com esta trupe, que não sabendo dormir, insiste em não acorda dessa realidade: nada, silêncio, drama.
Não gosto dos filósofos, principalmente desses de tradição socrática, esses armados em não tiranos de ogivas na boca, que bombardeiam constantemente o sossego dessa boa gente, estúpida, insignificante, humilde no sentido servil e imundo do termo, mas ao menos honesta: “A filosofia não serve para nada!” Enfim, o que queria Sócrates da sua cidade é que os seus cidadãos se tornassem doentes como ele, que o ajudassem a expandir essa peste cor-de-rosa lubrificada de crepúsculo, de sentido, um sentido que a eles próprios escapava, que eles não sabiam dizer e por isso inventavam metáforas, faziam analogias, narravam alegorias, antecipavam a religião. Imaginemos pois, se o mundo fosse todo do género dessa gente fanática, que não gosta de trabalhar, que só pensa na morte e no destino da “humanidade”, que não conhece a sinceridade porque pensa, analisemos, pensar é colocar-se diante de, posicionar-se, iluminar o palco, pousar a ideia na fria mesa de inox e aplicar-lhe infinitamente a cirurgia, esquartejá-la, ensanguentá-la até que o original sentido da filosofia desapareça: nada, silêncio, drama. O filósofo é tão digno como um assassino.
David Santos

quarta-feira, 4 de março de 2009

Palestra CPRI

Decorrerá amanhã (quinta-feira, 5 de Março) pelas 15 horas, uma palestra na sala 7.20 no polo Ernesto Cruz, que conta com a presença exclusiva do prof. Dr. Luís Madeira, e tem por organizadores o próprio núcleo de Ciência Política e Relações Internacionais (CPRI). O tema da conferência (Segurança Colectiva, Interesse Nacional e Participação Cidadã) não se limitando ao núcleo de estudantes de CPRI é perfeitamente coextensível a todos os membros da comunidade académica incluindo aos que não pertencem - directa ou indirectamente - a esta instituição, visto que, como o próprio título da conferência indica, é a colectividade que está em causa (isto é: todos nós) enquanto cidadãos empenhados a defender os interesses da nossa nação.
Como cereja no cimo do bolo, o evento culminará com uma tertúlia moderada pelo próprio prof. Dr. André Barata, pelas 22 horas no restaurante Soda Cáustica.
Apareçam!

terça-feira, 3 de março de 2009

Filosofia!

Filosofia...

Após uma noite de insónia
Dormitar à sombra das grandes questões,
Para no espreguiçar da primeira manhã
As levar ás portas das grandes crianças,

Como um carteiro sem horário definido,
Ainda de pijama e um bocejo
Do tamanho da boca do infinito...


"Filosofia", eis mais um poema do novíssimo mas já promissor escritor Barrabás de Andrade, pseudónimo de Ivan de Sá Nogueira, que apesar de não possuir ainda nenhuma obra exposta no mercado literário, e seu esforço de se impor ao grande público restringir-se a limitadas e acanhadas publicações em pequenos jornais e revistas, é evidente o seu talento artístico e desde logo a sua maturidade intelectual, em nada proporcional à sua juventude: "uns suados 16 anos" - no dizer do próprio autor!