segunda-feira, 7 de maio de 2012

Uns serão salvos no afago de Deus, outros irão sentir sua fúria.



  Linha Geral: Este é mais um dos grandes problemas que caracterizam o vastíssimo e não sintetizável pensamento medieval: como conciliar a omnisciência e a omnipotência de Deus que fazem Deste uma força determinante e insubordinada à contingência temporal, com uma suposta liberdade humana onde o passado e o futuro funcionam como condicionantes e reguladores ativos da acção presente? E se realmente estes termos são inconciliáveis, como não dar indiscutível prioridade à vontade de Deus quando face à vontade do homem? Como não dar prioridade – ontológica – à necessidade divina face ao livre-arbítrio humano? Boécio, “o último romano”, nato em Roma em 480 findo em 524 ou 525 em Pavia, apresenta a sua proposta onde concilia o aparentemente inconciliável. 


 Como pode a liberdade humana ser articulada com a necessidade, com a Providência? Com uma presciência? 
 Será possível Deus ter determinado à partida quais os Homens que terão direito à salvação e quais os que não o terão? Não parece viável, nem de perto nem de longe, esta solução singela para o desdobramento do fado divino, pelo que, esforços surgiram, já na era medieval, nomeadamente com Boécio. Este último é um dos que se debruça, numa tentativa de articular Liberdade e Divina Providência(1). 
 Boécio concilia os dois termos supra referidos, na sua plenitude, de um modo muito hábil, encaixando a inteligência divina um patamar acima da razão humana, e, esta última, por sua vez, prevalecendo sobre os sentidos e a imaginação. 
 O filósofo caracteriza o espaço temporal em que cada plano se encontra, isto é, o plano do Homem numa sucessão temporal, numa cronologia; e, por sua vez, o plano de Deus na eternidade - assim conheceremos o carácter da ciência de Deus. É fulcral, na captação deste pensamento, que haja uma sólida distinção entre perpétuo e eterno. A perpetuidade é mais facilmente entendida se partirmos, na sua análise, da característica e condição temporária/temporal onde se situa o homem: um longo passado, um fugaz presente e um incerto futuro. Já na eternidade, o passado, presente e futuro conjugam-se num só tempo, perfeito e interminável – o plano de Deus, onde tudo ocorre em confluência. Assim, e perdoar-me-ão a redundância, bem como Platão, Boécio afirma que Deus no seu plano é eterno, e o Homem, na sua sucessão temporal, é perpétuo. 
 Passa assim, na diferenciação destes planos temporais, a haver espaço tanto para eventos necessários, com para eventos voluntários. Deus ao contemplar as coisas não transforma seu carácter, isto é, o livre arbítrio do Homem no mundo não entra em conflito com o conhecimento como um todo temporal de Deus, já que se encontram em diferentes planos. Sendo que Deus não interfere, poderá apenas contemplar nossos actos: recompensando os bons, castigando os maus… Enviando sinais? Criando obstáculos? 

(1)Providência., a razão divina que reside no mundo dos homens e constitui a harmonia dos eventos. A Divina Providência é imutável, já o destino apresenta-se na relação entre o carácter fixo da providência e o decorrer temporal do fado. 

 Bibliografia: 
Boécio, De Consolatione Philosophiae, livro V, (Consolación de la Filosofia, traducción del latim por P. Masa, prólogo y notas de A. Castaño Piñán, Buenos Aires, Aguilar, 1964)


Luís Mendes

9 comentários:

Anónimo disse...

Belo texto, Luís.
Simples e visionário. A filosofia deve ter estes intermediários que consigam cativas o poder da filosofia atravês da simplicidade. És um poeta.
Beijinhos
Eva Queiroz

Anónimo disse...

Por vezes, é necessário questionar a justiça de critérios em que nascem, crescem e vivem os "homens que terão direito à salvação e os que não o terão." É preciso, na minha opinião, pensar em que condições olhamos para as escolhas que a vida nos vai "dando". Como o tal "Y" que só nos dá duas possibilidades de escolha, o certo e o errado. As nossas decisões são, sem dúvida, condicionadas por vários factores exteriores, que por sua vez, possam já ter sido condicionados anteriormente...
Bom texto. Mas penso que precisarias de escrever alguns volumes para tornar o assunto claro!


Cumpts.

João Tiago Santos

Anónimo disse...

Luís, reparei que você trabalha no sexto empírico. dá para falar aí com a galera e arranjar um estagio para mim? abraços Ana Amorim

Anónimo disse...

À Eva Queiroz retribuo um beijinho desconfiado. E, já agora, poetisa és tu. ;)

Amigo João Tiago,às vezes é mais fácil escrever um tratado denso e extenso, que um parágrafo harmonioso e claro. Um abraço fraterno.

Ana Amorim, o Sexto não é trabalho, é paixão e vício. Deixa o teu coração na nossa caixa de correio.
Outro beijinho desconfiado.

Luís Mendes

Anónimo disse...

dEUS É FIXE

Anónimo disse...

o Mário Soares tb!

Anónimo disse...

http://www.youtube.com/watch?v=uyA01nH72NI&feature=relmfu

Anónimo disse...

Sim, claro. Isso remete para o pensamento e toda a sua argúcia argumentativa. Obrigado, sobretudo, pela pertinência. Estamos cá é para isso. Abraços.

Luís Mendes

Anónimo disse...

Para o pensamento de Boécio*