terça-feira, 26 de junho de 2012

Averróis, Da Harmonia entre Filosofia e Religião e os "Espíritos que Assentem"

 Linha Geral: Averróis foi um exímio comentador islâmico de Aristóteles. Nasce em Córdoba a 1126 e morre em Marrocos a 1198. O nome Averróis é a tradução latina de Ibn Rushd, para além de jurista, Averróis exercia medicina e filosofia entre muitas outras ocupações. Na sua obra surge um apelo à interpretação do texto religioso, conciliando fé e razão. No decorrer do texto denota-se ainda a importância "dos três espíritos que assentem".


 O Discurso Decisivo de Averróis visa a união entre filosofia e religião, revelando-se, no seu contexto, uma defesa da harmonia entre Islão e filosofia. A filosofia é estudada na medida em que a mesma é permitida, proibida, ou prescrita de acordo com a lei Islâmica, o Alcorão. No Islão os actos são classificados pelo direito em cinco categorias, a saber: “obrigatórios”/“recomendados” - prescrição; “permitidos” - aprovação; e ainda “reprováveis”/“proibidos” - proibição. À luz da Lei religiosa, o estudo da filosofia é permitido, prescrito ou proibido? Aqui se debruça Averróis.
 Na sua Fatwa(1), Averróis define a Filosofia como sendo o estudo das coisas existentes, bem como a consequente reflexão sobre as mesmas, na medida em que estas são prova da existência de Deus. Averróis atribui deste modo um valor extraordinário à Filosofia, dado que esta permite conhecer mais e melhor o criador - quanto mais se conhecer das coisas existentes mais conhecemos do criador (assim como quanto mais conhecemos da obra mais conhecemos do autor).
 Segundo o autor (e neste sentido corre a sua defesa de harmonia) o Alcorão prescreve o uso da Filosofia, e isto pode ser ilustrado com passagens da própria escritura Sagrada, nos momentos que que a última incita à reflexão, à autonomia racional do leitor. Desta feita, o que é a Filosofia senão um conhecimento superior, que usa o silogismo demonstrativo e exorta para a reflexão, com o estudo e prática da lógica?
 Como comentador de Aristóteles, Averróis defende e levanta obrigatoriedade relativamente ao estudo das obras dos antigos, a partir delas poderemos aceder ao estudo superior e necessário da lógica. É uma relação de intensa necessidade, a da via da Verdade perante os saberes lógicos.
 É aqui que transitamos para a antropologia, quando Averróis refere e caracteriza os tipos de espíritos, no que diz respeito à interpretação e assentimento do texto sagrado: 1) Espíritos Retóricos, assentem com emoção, com paixão e medo; 2) Espíritos Dialécticos, que dão o seu assentimento partindo da verosimilhança e probabilidade; 3) Espíritos Demonstrativos, que assentem num sentido esotérico, ao contrário dos outros dois (sentido exotérico). A Verdade é Una, e o conhecimento demonstrativo não levará à contradição, isto é, a Verdade não contradiz a Verdade. O portador do conhecimento demonstrativo deverá interpretar a sagrada escritura, desvelando aparentes contradições. O conhecedor da lógica, o filósofo, insurge-se deste modo como o espírito "mais apto" a interpretar o Alcorão, sendo utente do silogismo demonstrativo. Não é possível estabelecer consensos a partir da interpretação metafórica, e dado que a demonstração implica a Verdade una, é essa que deverá ser usada pelos que são portadores de tal conhecimento. Todos os que elevarem a interpretação metafórica em detrimento da interpretação demonstrativa, e podendo aceder a esta última, estão a ser infiéis. Nem todos podem aceder ao mais superior tipo de conhecimento, seja por deficiência de natureza ou qualquer outra razão. Não obstante, os que conseguirem, assim deverão levar a sua interpretação. Pergunta-se, deverão as interpretações ser expostas às massas? Talvez não, poderá criar-se, ao invés de pessoas conhecedoras, pessoas moralmente corruptas e infiéis - quando o conhecimento se transforma em poder, no seu lado mais negro.
 Assim se expõe uma harmonia que concilia religião e filosofia, fé e razão. Um homem imbuído de conhecimento opta por fazer uma pausa após as palavras de Deus.

 (1) Fatwa., Parecer jurídico, de onde decorre uma sentença, e por isso “discurso decisivo”.

 Bibliografia:
- AVERRÓIS, Discurso Decisivo sobre a Harmonia entre a Religião e a Filosofia (trad. Port. de Catarina Belo), Lisboa, 2007



Luís Mendes

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