No Fédon, de Platão, o argumento da Teoria da Reminiscência, invocado por Sócrates, afirma a convicção de que pesquisar e aprender não são mais do que recordar, ou seja reencontrar um saber que já existe. A Teoria da Reminiscência argumenta que o conhecimento é definido como reconhecimento ou anamnese. Isto significa um esforço para recordar aquilo que a alma já sabia antes de habitar o corpo, visto que as almas eram dotadas de conhecimentos (74c). Esta argumentação serve como segunda prova da imortalidade da alma. Na convicção de que a alma existe antes do corpo, Sócrates procura demonstrar a existência da alma antes do nascimento. Esta convicção está completamente imbuída pela crença platónica de que os homens já teriam alcançado a sabedoria suprema quando contemplavam o Mundo das Ideias (74d). Desta forma a alma é considerada imortal e renasce várias vezes. Portanto, antes de qualquer existência corporal, contemplou todas as coisas e possuiu o conhecimento. Não será surpresa pois que neste mundo possa ter recordações desse saber, daí ser possível reencontrar integralmente o já conhecido. Contudo a evocação do conhecimento não pode fazer-se sem esforço nem tenacidade, tem necessidade de ser despertado e organizado. O saber consiste em segurar determinado conhecimento que se alcançou, e impedir que se perca (75d). Porquê este esforço e tenacidade para poder despontar o conhecimento do Mundo das Ideias? Se realmente na reminiscência é imprescindível haver conhecimento dos objectos, das coisas que se recordam facilmente, poderá pensar-se que não será necessário haver esforço, nem persistência, para recordar esses objectos, essas coisas. Sócrates justifica esta necessidade de esforço para evitar deixar escapar o que conhecemos, ou seja, cair no esquecimento. Contudo Sócrates afirma, com convicção, de que perdemos ao nascer, o que antes tínhamos adquirido. A recuperação do conhecimento perdido é feita através dos sentidos, através da aprendizagem. O tebano pretende com esta argumentação justificar que este não é um processo de aprendizagem, mas sim de reminiscência (75e). Na leitura do Fédon ficamos com a ideia de que Platão se acomodou a esta questão. Poderia ter ido mais longe, na indagação da definição do que é aprender. Não devia limitar-se a aceitar, sem mais razões, a justificação de que o aprender não é senão recordar o que se viu no Mundo das Ideias (76). Parece-me haver aqui alguma contradição, algo que não está devidamente explicado. Consegui encontrar na obra Os Mitos Platónicos, de Geneviève Droz, que para a alma que viu muito, será uma oportunidade para ter recordações inesquecíveis, ser-se levado para agradáveis lembranças intelectuais ou ser-se conduzido para realizações e impulsos ideais. Mas, pelos vistos, estes momentos privilegiados não são acessíveis a todos. Platão transmite-nos que no Mundo Inteligível ou das Ideias, apenas algumas almas viram, outras viram parcialmente e até mesmo outras, que ao regressarem a um corpo, se afundam num completo esquecimento. Com isto dá a entender que, para o maior número de almas, o conhecimento é nulo, ou apenas parcial, incompleto, defeituoso. Em qualquer dos casos verificamos haver desigualdade. Que explicação poderemos encontrar para esta situação? Os deuses, e os homens bons e justos, que se encontram no Mundo das Ideias, como Sócrates os designou, certamente não teriam esta atitude dualista para com as almas. Sendo assim, uma questão se levanta, em saber pois quem são aqueles que estiveram mais perto dos deuses e dos homens bons e sábios, quem esteve mais perto das realidades? Platão respondeu a esta questão, e apontou os filósofos como fazendo parte desse pequeno número que tiveram acesso ao Mundo das Ideias, ao conhecimento total (114c). Os filósofos foram os homens que viram melhor as verdadeiras realidades. Só as almas rectas e valorosas e, em particular, as que se dedicaram apaixonadamente à filosofia, têm algumas hipóteses de aceder a um saber que de qualquer outro modo só poderá ser parcial. Daqui se compreende o convite de Sócrates à reflexão interiorizada, ao encorajamento à tenacidade intelectual.
Platão, numa outra passagem do livro Fedro, fala no Mito da Parelha Alada para comparar a alma a um carro alado. Tudo o que era feito de bom dava forças às asas. Tudo o que fosse feito de mal, retiraria forças às mesmas. Se ao longo do tempo fizéssemos mais coisas erradas, as asas perderiam forças e cair-se-ia no Mundo Sensível. Penso que este mito não tem interesse para a Teoria da Reminiscência porque Sócrates tratou esta teoria, como doutrina, como um ponto demasiado sério. Contudo, mesmo assim, pode considerar-se como suficientemente forte a Teoria da Reminiscência para mobilizar a adesão interior, e a firme convicção íntima que chegou até aos nossos dias. A existência da alma antes do nascimento é um argumento de difícil compreensão nos moldes em que se procura a justificação. No diálogo do Fédon, o próprio Cebes afirma que cerca de metade do que se pretendia está provado, isto é, que as almas existem antes do nascimento; a outra metade que importa provar é que as almas existam depois da morte (77c).
Em relação à imortalidade da alma, o próprio Sócrates foi bem claro no seu pensamento ao dirigir-se a Símias dizendo que mesmo as premissas de que partiam, por muito convincentes que possam parecer, que não deixem de as examinar com maior rigor. Desde que sejam analisadas como deve ser, poderão então, acompanhar o argumento até onde for humanamente possível; se este se tornar por si mesmo claro, não há necessidade em irem mais além (107b).
CONCLUSÃO
Platão concluiu que a alma já existe antes de nascermos, mas não demonstrou a imortalidade da alma.
Platão concluiu que a alma já existe antes de nascermos, mas não demonstrou a imortalidade da alma.
BIBLIOGRAFIA
Bibliografia Primária
Platão, Fédon, Lisboa Editora, 2003.
Bibliografia Secundária
Geneviève Droz, “A Reminiscência, Ménon 81a-81d” in OS MITOS PLATÓNICOS, ed. Publicações Europa - América, 1993.
Bibliografia Primária
Platão, Fédon, Lisboa Editora, 2003.
Bibliografia Secundária
Geneviève Droz, “A Reminiscência, Ménon 81a-81d” in OS MITOS PLATÓNICOS, ed. Publicações Europa - América, 1993.
José Baptista
Aluno do 1º ano de Filosofia na UBI
Aluno do 1º ano de Filosofia na UBI
P. S. Escrevo este trabalho para demonstrar que a Filosofia é um curso interessante, motivador, e que incentiva os alunos na capacidade de pensar. Independentemente da idade. Para estudar filosofia somos sempre jovens.Ser aluno de Filosofia na UBI é um argumento de encorajamento. Daí o facto deste ano, na 1ª fase de candidatura para Maiores de 23 anos, já estarem inscritos 4 candidatos, o que penso ser inédito na nossa Universidade. Mais inédito ainda é o pormenor, importante, que não será por mero acaso, que o curso de Filosofia foi o curso com maior número de candidatos na 1ª fase de candidatura para Maiores de 23 anos.
1 comentário:
Gostei do seu comentário sobre o estudo da Filosofia. Costumo trazer comigo um pequeno extracto da Carta que Epicuro escreveu a Meneceu que transcrevo:
"Epicuro envia suas saudações a Meneceu.
Que ninguém hesite em se dedicar à filosofia enquanto jovem, nem se canse de fazê-lo depois de velho, porque ninguém jamais é demasiado jovem ou demasiado velho para alcançar a saúde do espírito. Quem afirma que a hora de dedicar-se à filosofia ainda não chegou, ou que ela já passou, é como se dissesse que ainda não chegou ou que já passou a hora de ser feliz. Desse modo, a filosofia é útil tanto ao jovem quanto ao velho: para quem está envelhecendo sentir-se rejuvenescer através da grata recordação das coisas que já se foram, e para o jovem poder envelhecer sem sentir medo das coisas que estão por vir; é necessário, portanto, cuidar das coisas que trazem a felicidade, já que, estando esta presente, tudo temos, e, sem ela, tudo fazemos para alcançá-la. Pratica e cultiva então aqueles ensinamentos que sempre te transmiti, na certeza de que eles constituem os elementos fundamentais para uma vida feliz."
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