domingo, 25 de março de 2012

As 11 ideias de Serge Latouche

A Linha Geral: Do discurso e entrevista a Serge Latouche. O crescimento económico é um fim em si mesmo? Não será esta ideologia ilógica? Este obsoleto e perigoso pensamento, na sua aplicabilidade,  poderá ter como consequência a perda de "bela experiência", recheada de valores. O Homem não é o fim de uma linha evolucionista. Porém, de acordo com os paradigmas vigentes, corre o sério risco de o vir ser. Temos aqui apresentada uma nova e revolucionária visão acerca da organização dos "tempos". Que nos propõe, sucintamente, o pós-materialismo? Temos de largar fantasmas e fantasias, temos de desmistificar promessas que nos foram feitas.


Serge Latouche, tal como Paul Krugman, esteve em Portugal. Foi há bem pouco tempo (aproximadamente três semanas). A celeuma, infelizmente no meu entender, não foi tanta quanto aquando da vinda do nobelizado – normal, dirão uns, triste, direi eu.
Convidado pela Fundação Calouste Gulbenkian, Latouche deu ainda uma entrevista para o jornal Público, publicada a 19 de Março. Foi a partir desta entrevista que coligi estas onze ideias de Latouche nesse espaço arrogadas:  
1) A lógica do crescimento económico pelo crescimento económico adquiriu contornos religiosos. Os economistas assumiram, de forma dogmática, que a dinâmica das relações sociais deve orbitar em torno desse valor – o crescimento. Assim, o que Portugal precisa é de crescer; o que a Europa precisa é de crescer; os Chineses não podem crescer se os Europeus e os Americanos não crescerem também... e, infelizmente, assim vai o mundo. Justificam-se todas as ideologias e colaterais excessos, demagogias e patifarias, à conta desta crença económica;
2) Para que o dogma do crescimento económico se conserve torna-se imprescindível multiplicar necessidades, i. é, criar constantemente falsas necessidades, de modo a que tenhamos de trabalhar mais, de produzir mais, de nos cansarmos mais, de nos iludirmos mais, de endoidecermos e embrutecermos cada vez mais, enfim, de desperdiçarmos cada vez mais a experiência estética do estar-aí, do estar-no-mundo (a filosofia é, em parte, o convite para essa bela experiência);
3) Não pode haver crescimento ilimitado com recursos limitados - lições de lógica elementar que a filosofia no secundário já devia ter ensinado (alguém que não está a fazer o seu trabalho!);
4) “Se não mudarmos o sistema, caminharemos para o desaparecimento da humanidade”. Por sua vez, para mudarmos o sistema temos de alguma maneira transitar de um paradigma antropocêntrico para um paradigma biocêntrico; de uma ética especista para uma ética ecológica;  
5) A crise financeira é, antes de ser financeira, económica. A crise económica é, antes de ser económica, civilizacional. Foi o próprio modelo económico assente na promessa ou na pseudo-racionalidade do crescimento ilimitado que deu o poder que hoje detêm os detentores do capital financeiro (por oposição ao capital industrial); “a ilusão do crescimento [provocou] a bolha financeira”; o capital financeiro tão só se alimenta desta promessa da economia. Por sua vez, a crise económica é uma crise civilizacional onde o que vale é o ter, é a possessão, é o materialismo grosseiro;  
6) Tornou-se imprescindível, por todas as razões aqui aludidas, fazer uma revolução. Uma revolução cultural, de mentalidades; isto antes dos bombos, das espingardas e dos cravos. É preciso dar um passo em frente na história, forjar a tal sociedade pós-material (pós-desenvolvimento) onde o que importa é sustentar/garantir racionalmente um minimum material (traduzido em um minimum universal de alimentos, de habitação, de trabalho, de Internet...) de modo a que as pessoas, tendo garantido esse minimum material, possam se dedicar ao que realmente importa: a amizade, o amor, a arte, a liberdade, o diálogo, enfim, todos os valores que realmente importam e que realmente têm por efeito a criação da tal sociedade de bem-estar (que a economia tanto prometeu, ora, com a sua promessa de abundância indefinida, ora com a sua “mão invisível”, ora com a sua “luta de classes”…);
7) É preciso "descolonizar o nosso imaginário". A felicidade, a sociedade de bem-estar, não está no ter coisas, i. é, bens materiais. Temos que lidar positivamente com o facto de não sermos eternos e que a “mão invisível” do progresso humano/tecnológico não nos conduzirá a uma espécie de sociedade pós-humana, pós-histórica, onde satisfaremos todos os nossos desejos sem prejudicarmos os outros (tanto os outros humanos, como os outros não humanos, como todo o ecossistema – a “teia da vida”); 
8) A lógica do crescimento diz que é preciso indefinidamente crescer, nunca pararmos de crescer, isto porque, como é evidente, nunca paramos de consumir. Mas este raciocínio é obviamente falacioso porque tenta justificar o irracionalismo ligado ao dogma, ao aspeto religioso do crescimento pelo crescimento, contra uma verdadeira e desmistificada racionalidade onde trabalho e distribuição dos seus produtos têm como finalidade garantir um mínimo de bem-estar universal/global progressivamente sustentado e uma vida realmente digna;
9) "É preciso, antes demais, trabalhar menos". Temos de começar a pensar em como produzir tempo livre – este deve passar a ser o nosso grande objetivo económico. Como é evidente, para que possamos produzir tempo livre temos de ter, mais uma vez, garantido o tal minimum material dado pelo antecedente tempo de trabalho (mas, é precisamente esta inversão de valores, de objetivos, do tempo de trabalho para o tempo livre, que é verdadeiramente revolucionária);
10) Temos que mudar o paradigma, ter como valor económico não o crescimento pelo crescimento, mas sim, a "abundância frugal". A produção, o trabalho social, deve estar, como é de bom senso, subordinado às necessidades indispensáveis à sociedade mas não ao crescimento, à “produção infinita”; 
11) A sociedade precisa de se defender dos "ecofacismos" e/ou ecototalitarismos que podem despontar depois de, eventualmente (ou necessariamente), termos de sair da sociedade de consumo à força. Enfim, é preciso continuar a defender a democracia, a autonomia, a razoabilidade, a liberalidade, isto independentemente da revolução pelo qual tivermos de passar.   

David Santos.


3 comentários:

rapsodo disse...

Muito pertinente o texto, que nos traz uma clareza suficiente ao receio, pois, a situação é complexa e tem um desenvolvimento suspeito como bem aponta David. Parece-me que este discurso do desenvolvimento do capital traz consigo outros vários, dentre os quais, um convite a uma negação de uma diversidade cultural ao mesmo tempo que, uma afirmação da desigualdade social. Negar a diversidade cultural e ao mesmo tempo propor uma cultura unificada, globalizada e embalada pelo ritmo do consumo desenfreado, ou seja, a negação das barreiras de mercado que se confundem com as características de culturas locais e suas respectivas produções, fruto de diálogos com seu respectivo espaço. A proposta parece supor uma negação desta produção em prol de uma produção outra que vem de fora deste diálogo e se instala como objetivo a ser atingido, ou seja, um crescimento pelo próprio crescimento, como bem nos trás David neste texto. Muito bem , nega-se uma diferença em prol de uma identidade de consumo , o que nos aponta para um único sentido, ou seja, uma só cultura, que trás em seu bojo a legitimação da desigualdade social e de todo estes espetáculo triste que se expande e se normaliza. Parabéns David,uma crítica pertinente que nos envolve e convida a reflexão.

Celeste Raposo disse...

Todo o artigo tem caracter de urgência, porque é aqui que está o problema da crise. Sobretudo pelo óbvio do ponto 3: Não pode haver crescimento ilimitado com recursos limitados.
Mas não é preciso parar o mundo, nem a criatividade, basta exigirmos (nós todos) "objectos com aura" que demoram a conceber,planear,realizar e ou são arte ou respondem a reais necessidades! Nada têm a ver com a actual obsolescência planeada das colecções semestrais, trimestrais ou consecutivas.

Anónimo disse...

Este artigo aponta para uma mudança de valores, uma transição do ter mais e o de querer sempre mais, como é apontado por Gilles lipovestky, para uma sociedade que procura ter o necessário para a sua subsistência e mais pró-social, em que não se procura competir com o vizinho do lado mas sim o de colaborar com ele.Outro ponto interessante é o paradigma do crescimento económico, o qual podemos fazer as seguintes questões: O que se entende por crescimento económico? O que se pretende com esse crescimento? Como se gera crescimento económico? Será que esse crescimento tem limites? Quem é que beneficia com o crescimento económico? Será que o crescimetno económico contribui para uma maior equidade económica da população? Por outro lado, é possível pagar todas as dividas públicas de um país, ou de todos os países do mundo?
Por último, tomamos o crescimento económico com a mesma racionalidade que tomamos as profecias ou as crenças religiosas, isto é, tomamos o crescimento económico como algo de irracional tão geral que acaba por não dizer nada,assim é preciso tomar o crescimento como algo mais em concreto e mais realizavel. Com o objectivo de aumentar o bem-estar da população, oferecendo as condições indispensáveis para a sua subsistência.