Linha Geral: Será que vivemos, de facto, num estado 'neoliberal', como resmunga a oposição?
Para onde, e como correm os enormes fluxos capitais, dentro desta 'nossa' União Europeia? Um texto que espelha aquelas que aparentam ser contradições ideológicas e estruturais, bem como a realidade onde caminhamos e a sua meta.
Paulatinamente desce aos lábios a pergunta e, às tantas, já
não dá para reprimir. Porque o que está em causa já não é o mero uso político
dos conceitos visando fragilizar o adversário com significados que há muito se
esvaziaram do seu sentido original e servem hoje como meras armas de arremesso
absolutamente demagógicas (naquilo que se dá, em política, o nome virtuoso de logomaquia). Porque responder a esta
pergunta, hoje, é precisamente principiar a refletir sobre a direção que podem
estar (ou estão) a tomar as sociedades ocidentais, nomeadamente, e por
proximidade de conhecimento, os países da União Europeia. Quando a classe
média, num itinerário que tende a ascender geograficamente do sul para o norte,
pouco a pouco vê perder o seu poder (de classe) através da quebra do rendimento
disponível e das graduais maiores dificuldades de acesso ao crédito, e, em
absoluta contradição, quando o capital financeiro continua a circular como
nunca, nomeadamente através dos grandes empréstimos feitos pelo BCE a taxas de
juro de 1% (só aos bancos portugueses lhes foram concedidos empréstimos,
durante o mês de Março, na ordem dos 56,3 mil milhões de euros), que
significado profundo nos dão estes sinais que, pouco a pouco, se vão
transformando em factos consumados e indubitáveis? Já agora, que nome se dá a
uma sociedade onde não existe uma classe média digna desse nome?
Assim, e tomando como exemplo a atuação do nosso governo de
coligação à direita, por um lado, todos estamos conscientes do violentíssimo
e relativamente ideológico (!) ataque ao funcionarismo público levado a cabo
por este, visando comprimir, de forma mais ou menos profunda, a “máquina do
Estado” (ainda que, no que toca às parcerias público-privadas, não se tenha
avançado um milímetro que seja – e, o que pode ser mais grave, é que pode não existir
nesta aparente contradição, contradição que seja!) e desmotivando, deste modo,
direta e indiretamente, quaisquer pretensões a quem queira fazer vida neste
sector. Novamente, tendo em conta este ataque, não julgo que seja difícil
admitir, num primeiro relance, a tentativa deste governo de promover uma ética
do empreendedorismo centrada no indivíduo dinâmico, (subsídio)independente e energético
(não piegas!) - ainda que, mais uma vez, a carga fiscal elevadíssima persista,
de forma sistemática, em frustrar esta “promoção”. Por um lado, com assumida
coerência ideológica (no sentido em que não frustrou, com estas medidas, a
expectativa dos restantes atores políticos – nomeadamente a esquerda que acusou
– e acusa – o governo de ser neoliberal – o governo mais liberal que há memória)
o governo aboliu as Golden Share e
avançou com as grandes privatizações; privatizações de áreas essenciais à vida,
condição e saúde pública, como a privatização da EDP e da REN – entre, claro,
muitas outras privatizações, que pouco a pouco, se vão consolidando: CTT, CP…
Enfim, com coerência, o governo demitiu-se de negociar com quem quer que seja e
que realmente importa, desde o FMI, passando pela CE até ao BCE (a famosa troika) e até “aprofundou” as medidas
por estes ditadas aquando da intervenção executiva externa.
Por outro lado, e em espantosa contradição com o extremado
“neoliberalismo” deste governo, o capital financeiro continua a inundar a
ocidental praia lusitana sem que quem o governo, supostamente, pretendia
promover, tenha acesso a este mesmo capital: a tal camada empreendedora,
individualista, independente... Enfim, ou o governo quer fazer omeletes sem
ovos ou não quer, de maneira nenhuma, fazer omeletes!
Como disse acima, e conforme o Correio da Manhã de 10 de Abril, os bancos portugueses obtiveram,
durante o mês de Março, 56,3 mil milhões de empréstimos, a juros de 1%, do BCE.
Deste montante apenas aproximadamente 3,9 milhões de euros foram deslocados em
empréstimos para as famílias e empresas, a juros entre os 6 e os 7,5%, já que, segurem-se às cadeiras, a maior parte do dinheiro emprestado pelo BCE foi
deslocado para comprar divida pública a juros de 4,5% a serem pagos por nós –
contribuintes - através dos mecanismos seguros
de extorsão do próprio governo através nomeadamente de impostos sobre impostos.
Enfim, o capital circula, circula dos bancos para os “cofres” do Estado e dos
"cofres" do Estado para os bancos, o governo chega a beneficiar da imagem
neoliberal de que o acusam e o povo é que se… lixa!
Persiste a pergunta, este governo é, verdadeiramente,
neoliberal ou liberal? A pergunta ganha ainda mais sentido quando o nosso
Primeiro-Ministro, em discussão da “regra de ouro” a ser constitucionalizada,
assume que esta não é uma medida nem de direita nem de esquerda. Repito, que
significado profundo tem tudo isto?
David Santos.