segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Das Esferas

Considerando a antiga e tradicional dicotomia entre esfera privada e esfera pública, denota-se que esta se desfaz numa emergência da esfera social na modernidade e contemporaneidade. Temos assim o social, em detrimento do público e do privado.
Se considerarmos esta “nova esfera social”, e a admissão de uma esfera do íntimo, penso que tem havido uma recaída desta última nas teias* (o termo não poderia ser mais certeiro) da primeira. Esta situação requer uma reflexão que, à partida, poderá ser considerada de extrema dificuldade, dado o certo distanciamento de que uma investigação carece entre o sujeito e o objecto. Isto é, como poderei indagar acerca desta dicotomia estando todos os dias embrenhado na mesma? Não obstante, é possível obter um distanciamento mesmo estando por dentro do sistema, quero dizer que o distanciamento não significa forçosamente a exclusão, não corta cerce a possibilidade de contemplação, antes pelo contrário: possibilita esta contemplação, e ainda, o importante “viver com”.
O labor e o processo vital passa, lentamente, ou talvez mais rápido do que julgo, por todos os dias dar uma prova ontológica nas redes que nos permitem “estar”, e nos mostrar ao mundo.
A tecnocracia evidente no mundo actual, espelha de um modo flagrante e altamente manipulativo das massas, a perda de distinção, por um lado entre público/social e, por outro, entre privado/íntimo. Por sermos manipulados e jogados como dados, as repercussões são várias e graves, desde o surgimento de uma pseudo-liberdade à perda de identidade pessoal. Estas confusões conceptuais que nos levam a agir no sentido da mudança, respectivamente de paradigmas históricos, levam a que, como foi supra referido, o íntimo caia na rede do que é agora a rede social.
Surge então, também, um paradoxo que mais actual não se pode encontrar. Este paradoxo de que falo exibe-se, quando, ao mesmo tempo, coexistem a erosão do íntimo e da esfera privada com a protecção judicial e judiciária desta mesma matéria, que se estende pela propriedade de cada um.
Aquilo a que podemos chamar a harmonia pública espelha-se deste modo na esfera social, onde todos nós nos aventuramos e gritamos “eu existo!”, ainda com uma suposta protecção da propriedade e do privado. Assim o Homem se consome, pelas suas próprias mãos, e se perde pelos seus próprios passos, exibindo depois um esforço de reencontro, consigo mesmo…

* Net, Web – Rede, Teia
Plo' Sexto Empírico,
Luís Mendes

4 comentários:

Anónimo disse...

Ainda sobre essa distinção entre a esfera privada e a esfera social, e, tendo em conta, nomeadamente, a actividade dos utilizadores das redes sociais (facebook, twitter...),não há como não tomar em atenção o facto de, muitas vezes, aquilo que é tornado social, que é tornado público, são, muitas vezes, coisas que normalmente ficariam, ou deveriam ficar, nos estreitos e recatados limites da esfera privada, já que, como refere MST no tal vídeo, são formas de expressão, de comunicação, que não têm qualquer interesse para a humanidade.

rapsodo disse...

Muito esclarecedora e pertinente esta discussão proposta. Quanto a esta distinção, convém trazermos nesta discussão uma fala do filósofo Kant onde ele postula em uma de suas obras CRP que distinguir uma coisa de outra não significa o mesmo que conhecer a diferença entre uma e outra ou o que se propõe. A partir disto, creio que há determinadas divisões ou modos estabelecidos por distinção que nos faz ou induz a crermos sujeitos a uma regra não muito clara, porém que se prevalece, ou seja, um estado de condições binárias em oposição onde necessariamente uma está em detrimento a outra. Parece-me que isto já vem desde Platão com a divisão dos dois mundos possíveis, inteligível e sensível. Seria necessariamente esta, a única via de oposição que talvez, ainda enfeitiçados por este modelo, nos reste como possibilidades comparativas e analógicas de apreensão? Talvez a rede e a erosão das identidades ou ainda a possibilidade do "viver com" muito bem apontado neste texto, nos leve a uma reflexão mais aprofundada acerca desta dicotomia como paradigma inquestionável.

Anónimo disse...

É de facto, importante, bem como pertinente, a referência que Rapsodo faz, no seu comentário - "distinguir uma coisa de outra não significa o mesmo que conhecer a diferença entre uma e outra".
Uma reflexão aprofundada é, sem dúvida, algo de que carece a questão das esferas, embora não de um modo histórico. Dado que, com a vertiginosa fluidez da informação e da rapidez com que tudo se passa, a reflexão deve ser diária.


Obrigado pelo seu comentário,
Plo' Sexto Empírico
Luís Mendes

Anónimo disse...

Sem dúvida que a esfera social é necessária e importante, mas não será a nossa própria esfera muito mais?
As barreias têm de existir para que o ser não se torne quebrável e penetrável de modo a que o desfaçam-no e tornem-lo numa simples marioneta.
Catarina Fernandes