quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

A Banalidade do Saber

No mundo profissional da filosofia (se é que alguma vez existiu, ou existe, efetivamente tal mundo) reina o desemprego. Todos estão conscientes disso, e não estão sós. A esmagadora maioria dos jovens portugueses com formação superior está desempregada. Sejam eles arquitetos, engenheiros, psicólogos ou advogados, encontram-se todos na mesma situação. E se não o estão efetivamente estão na precariedade, o que vale pelo mesmo. O jovem trabalhador independente é hoje um desempregado; e isto é um facto, por mais que tal condição o negue aos olhos do Estado português.
Toda a sociedade portuguesa sabe disto, os meios de comunicação encarregaram-se de saturar esta mensagem, de a massificar ao ponto de conseguir tornar tal condição uma banalidade. O país está farto deste discurso sobre o problema do desemprego, está farto das (já antigas) manifestações da autodesignada “geração à rasca”. O povo português está tão farto de saber que existe este problema que já nem sequer interessa aos nossos governantes resolvê-lo. Já mandaram emigrar e empreender em pastéis de nata. Já só falta aconselhar aos jovens licenciados no desemprego o investimento no “PokerStars” ou na “pornografia por webcam”. Mas não é este tipo de esquecimento por saturação o problema fundamental que se pretende tratar neste pequeno texto, ele é só sintoma de um perigo muito maior: a banalização do saber.
Quando divulgação de um problema social é de tal forma saturada que chega ao ponto de a tornar num lugar-comum, surge então um problema muito perigoso; o problema da banalização das suas consequências. Neste caso particular do desemprego jovem, banalizou-se o sofrimento dos milhares jovens desempregados com formação superior. As reportagens que incidem sobre as filas de jovens às portas dos centros de emprego são já um símbolo da miséria que está cansado e acabado para, e pelos média. Tais reportagens já não chocam o “leitor de telejornais” ao ponto de este encarar o desemprego jovem como um problema real que pode, e deve, ser resolvido. Aos olhos deste “leitor de telejornais”, a condição de desempregado passa a ser a condição “normal” de um jovem formado em Portugal. Da mesma forma, as propostas para a resolução deste problema deixam de fazer parte das suas considerações quando chega o momento de pôr o boletim na urna de voto. O que por sua vez implica, infelizmente, que a resolução do problema do desemprego jovem deixará também de ser preocupação da agenda política dos partidos em Portugal. E isto é perigoso.
No entanto, pior ainda será constatar que a banalização do desemprego jovem extravasa as suas implicações da realidade política para a realidade quotidiana. Nos centros de emprego já nem sequer se nota aquela antiga preocupação (ainda que fingida) pela situação do jovem desempregado com formação superior. Tal condição tornou-se banal. Ela é hoje a situação em que o jovem possuidor de formação superior se deve encontrar. Estranho seria emprega-lo numa função adequada aos seus conhecimentos. Estranho será para qualquer empregador preferir alguém formado sobre alguém não formado. É aqui onde reside então o perigo maior: pois banalizar o problema do desemprego dos jovens com formação superior é também (e sobretudo) banalizar o saber. E já nem Deus irá ajudar a sociedade que tome tal banalização como “algo perfeitamente normal”. Porém, quer o queiramos quer não, essa sociedade é nossa.

Ângelo Milhano.

4 comentários:

Jaime Chiquita disse...

Parece certo o estudo do caso "desemprego". Ninguém tem mais nada, nem os gostos nos unem?

Anónimo disse...

"Já só falta aconselhar aos jovens licenciados no desemprego o investimento no “PokerStars” ou na “pornografia por webcam”."
Nada em que não tenha já pensado. Mesmo sem aconselhamento.

Anónimo disse...

De facto, aquilo que
é demais, cheira mal. Já dizia um antigo professor meu.
A saturação leva à banalização. E, como é referido no texto, como consequência última e perigosa - à banalização do saber.
Bom post.
Abraços de um amigo da Filosofia,
Carlos Rangel

Anónimo disse...

"A pornografia por webcam" é sem sombra de dúvida uma profissão imune à crise. E nas diferentes categorias do espectro pornográfico está em falta uma que inclua jovens intelecuais recém- formados em filosofia - estes poderiam, enquanto se desnudam, tartamudear fragmentos do ser e tempo, ou até mesmo, recitar poesia russa do século passado, em russo, como é óbvio. È claro que seriam forçados a trocar a biblioteca pelo ginásio da esquina, de forma a deter um corpo bem torneado e que não seja sexualmente repulsivo - ainda que certos traços do jovem intelectual devam ser mantidos.

Agradeço ao Ângelo por me lembrar de que tenho mais uma saida profissional - o poker está fora de questão.

bom post