terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Ideologiazinhas

A ideologia não acabou, o que acabou foi o seu aspecto trágico, com todos os seus excessos, descomedimentos e, claro, "vítimas colaterais". Quem se atreva a fazer uma compilação dos discursos de todos os protagonistas deste governo PSD-CDS e esforçar-se por lhe dar uma coerência, um sentido, encontrará ideologia ao mais alto nível, não ainda sob o seu cariz trágico, mas já em forma de farsa. Por isso, e como resultado, o paternalismo, um Primeiro-Ministro que tem tanto a nos ensinar sobre o modo como nos devemos comportar pela vida fora, sobre quem são os bons e os maus exemplos, quem devemos e não devemos ter como exemplo, etc, etc.
Suma prova disso mesmo é o último discurso do nosso Primeiro-Ministro por ocasião do aniversário da Pedago. Não, aquilo, aquele discurso, não é fanfarronice ou demagogia, aquilo é pura ideologia. É o esforço de converter aquilo que é apenas fantasia numa espécie de ética pública. Essa fantasia tem o seu modelo num certo tipo de herói que podemos encontrar em certos filmes de Hollywood. O herói que, munido apenas com a sua vontade e perseverança, e ainda que por vezes lhes sumam as forças e tenha também as suas dúvidas existenciais, se ergue sempre de novo, alentado pelos seus mais altos valores e pela mais nobre noção de dever. Este herói não é “piegas”, não tem “papas na língua”, sabe distinguir perfeitamente o bem do mal, a competência da incompetência, e, também por isso, só pode ser muito exigente, tanto para si, como para os outros.
Para este tipo de herói o Estado não existe, ou, se existe, de duas uma, ou se resume a um conjunto de burocratas que só estão ali para complicar a vida, ou deve-se confinar aos tribunais, à polícia, aos diversos serviços de protecção civil, a umas medalhas de mérito e uns pequenos incentivos ao “bons filhos”... Para este tipo de herói, a causa de existirem pobres e muito pobres, ricos e muito ricos, está, unicamente, no facto de que uns se esforçaram para chegarem onde estão e outros não; que uns são malandros e outros não. E isto também diz respeito à situação do nosso Portugal, se alguém tem culpa da situação a que chegou este país são os próprios portugueses, que não são “exigentes”, que não são produtivos, que são demasiados complacentes, com aquela moral mesquinha do coitadinho, enfim, portugueses que se contentam com um prato de lentilhas. Portugueses que preferem mendigar, de parasitar pelo subsidiuzinho do Estado, ao invés de porem “mãos à obra”, de serem empreendedores procurando quimérico crédito em quimérico banco ou simplesmente arranjarem um emprego, tendo em conta os milhentos postos de trabalho que por aqui proliferam.
Carnaval, pontes, feriados? Isso são coisas do passado, coisas de um certo tipo de cultura pública que confunde certas contingências históricas com direitos que se tomam por adquiridos e extemporâneos. Afinal, tudo está bem, nós, portugueses, é que nos temos de esforçar mais. Ainda vão ver – às tantas exalta-se o herói – se trabalharem tanto como eu trabalho, daqui a cinco anos, mais coisa menos coisa, Portugal não embaraçara, de certo, uma Itália, uma França, quiçá, uma Alemanha. Emigrar? Emigrem pois, não estamos nós na era da globalização, não acompanhamos nós o espírito do tempo, não somos modernos?
David Santos.

1 comentário:

Anónimo disse...

Deverei ainda acrescer, não deveremos nós ser exigentes com os nossos políticos e com a nossa justiça? Bem, espero não estar a ser piegas se pedir ainda que a justiça se deva aplicar às infracções cometidas pelos políticos. Contudo, conhecendo o temperamento do povo finalizo "o povo é sereno", até gosta que lhe chamem de "piegas" enquanto alguns políticos afirmam nos jornais que não têm dinheiro para pagar as despesas.