A Linha Geral: Do discurso e entrevista a Serge Latouche. O crescimento económico é um fim em si mesmo? Não será esta ideologia ilógica? Este obsoleto e perigoso pensamento, na sua aplicabilidade, poderá ter como consequência a perda de "bela experiência", recheada de valores. O Homem não é o fim de uma linha evolucionista. Porém, de acordo com os paradigmas vigentes, corre o sério risco de o vir ser. Temos aqui apresentada uma nova e revolucionária visão acerca da organização dos "tempos". Que nos propõe, sucintamente, o pós-materialismo? Temos de largar fantasmas e fantasias, temos de desmistificar promessas que nos foram feitas.
Serge Latouche, tal como Paul Krugman, esteve em Portugal. Foi há bem pouco tempo (aproximadamente três semanas). A celeuma, infelizmente no meu entender, não foi tanta quanto aquando da vinda do nobelizado – normal, dirão uns, triste, direi eu.
Serge Latouche, tal como Paul Krugman, esteve em Portugal. Foi há bem pouco tempo (aproximadamente três semanas). A celeuma, infelizmente no meu entender, não foi tanta quanto aquando da vinda do nobelizado – normal, dirão uns, triste, direi eu.
Convidado pela Fundação Calouste Gulbenkian, Latouche deu ainda
uma entrevista para o jornal Público,
publicada a 19 de Março. Foi a partir desta entrevista que coligi estas onze ideias
de Latouche nesse espaço arrogadas:
1) A lógica do
crescimento económico pelo crescimento económico adquiriu contornos religiosos. Os economistas assumiram, de forma
dogmática, que a dinâmica das relações sociais deve orbitar em torno desse
valor – o crescimento. Assim, o que Portugal precisa é de crescer; o que a
Europa precisa é de crescer; os Chineses não podem crescer se os Europeus e os
Americanos não crescerem também... e, infelizmente, assim vai o mundo.
Justificam-se todas as ideologias e colaterais excessos, demagogias e
patifarias, à conta desta crença económica;
2) Para que o
dogma do crescimento económico se conserve torna-se imprescindível multiplicar
necessidades, i. é, criar constantemente falsas necessidades, de modo a que
tenhamos de trabalhar mais, de produzir mais, de nos cansarmos mais, de nos
iludirmos mais, de endoidecermos e embrutecermos cada vez mais, enfim, de
desperdiçarmos cada vez mais a experiência estética do estar-aí, do
estar-no-mundo (a filosofia é, em parte, o convite para essa bela experiência);
3) Não pode haver
crescimento ilimitado com recursos limitados - lições de lógica elementar que a
filosofia no secundário já devia ter ensinado (alguém que não está a fazer o
seu trabalho!);
4) “Se não mudarmos o sistema, caminharemos para o
desaparecimento da humanidade”. Por sua vez, para mudarmos o sistema temos
de alguma maneira transitar de um paradigma antropocêntrico para um paradigma
biocêntrico; de uma ética especista para uma ética ecológica;
5) A crise financeira é, antes de ser financeira, económica. A
crise económica é, antes de ser económica, civilizacional. Foi o próprio
modelo económico assente na promessa ou na pseudo-racionalidade do crescimento
ilimitado que deu o poder que hoje detêm os detentores do capital financeiro
(por oposição ao capital industrial); “a ilusão do crescimento [provocou] a
bolha financeira”; o capital financeiro tão só se alimenta desta promessa da
economia. Por sua vez, a crise económica é uma crise civilizacional onde o que
vale é o ter, é a possessão, é o materialismo grosseiro;
6) Tornou-se imprescindível,
por todas as razões aqui aludidas, fazer uma revolução. Uma revolução
cultural, de mentalidades; isto antes dos bombos, das espingardas e dos cravos.
É preciso dar um passo em frente na história, forjar a tal sociedade
pós-material (pós-desenvolvimento) onde o que importa é sustentar/garantir
racionalmente um minimum material (traduzido em um minimum universal de alimentos, de habitação,
de trabalho, de Internet...) de modo a que as pessoas, tendo garantido esse minimum material, possam se dedicar ao que
realmente importa: a amizade, o amor, a arte, a liberdade, o diálogo, enfim,
todos os valores que realmente importam e que realmente têm por efeito a
criação da tal sociedade de bem-estar (que a economia tanto prometeu, ora, com
a sua promessa de abundância indefinida, ora com a sua “mão invisível”, ora com
a sua “luta de classes”…);
7) É preciso
"descolonizar o nosso imaginário". A felicidade, a sociedade
de bem-estar, não está no ter coisas, i. é, bens materiais. Temos que lidar
positivamente com o facto de não sermos eternos e que a “mão invisível” do
progresso humano/tecnológico não nos conduzirá a uma espécie de sociedade
pós-humana, pós-histórica, onde satisfaremos todos os nossos desejos sem
prejudicarmos os outros (tanto os outros humanos, como os outros não humanos,
como todo o ecossistema – a “teia da vida”);
8) A lógica do
crescimento diz que é preciso indefinidamente crescer, nunca pararmos de
crescer, isto porque, como é evidente, nunca paramos de consumir. Mas este raciocínio é obviamente
falacioso porque tenta justificar o irracionalismo ligado ao dogma, ao aspeto
religioso do crescimento pelo crescimento, contra uma verdadeira e desmistificada
racionalidade onde trabalho e distribuição dos seus produtos têm como
finalidade garantir um mínimo de bem-estar universal/global progressivamente
sustentado e uma vida realmente digna;
9) "É preciso, antes demais, trabalhar menos".
Temos de começar a pensar em como produzir tempo livre – este deve passar a ser
o nosso grande objetivo económico. Como é evidente, para que possamos produzir
tempo livre temos de ter, mais uma vez, garantido o tal minimum material dado pelo antecedente tempo
de trabalho (mas, é precisamente esta inversão de valores, de objetivos, do
tempo de trabalho para o tempo livre, que é verdadeiramente revolucionária);
10) Temos que
mudar o paradigma, ter como valor económico não o crescimento pelo crescimento,
mas sim, a "abundância frugal". A produção, o trabalho social, deve
estar, como é de bom senso, subordinado às necessidades indispensáveis à
sociedade mas não ao crescimento, à “produção infinita”;
11) A
sociedade precisa de se defender dos "ecofacismos" e/ou
ecototalitarismos que podem despontar depois de, eventualmente (ou
necessariamente), termos de sair da sociedade de consumo à força. Enfim, é
preciso continuar a defender a democracia, a autonomia, a razoabilidade, a
liberalidade, isto independentemente da revolução pelo qual tivermos de passar.
David Santos.